cap. 20 | ken

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Ken

Mio foi embora da academia. Ontem à tarde. Assim que fiquei sabendo, meus instintos me guiaram até ele, na porta do campus. Me sentei nos primeiros degraus da escada. Não sabia o que falar, ou o que fazer. Desculpas estavam longe de ser o bastante. Mesmo assim eu fiquei lá, abraçando meus joelhos contra o corpo, até ele se sentar ao meu lado. No começo, imaginei que ele estivesse com pena de mim, mas no fim, eu descobri que era ódio. As coisas que ele disse doeram muito. Fizeram eu me sentir uma pessoa doente. E quando ele finalmente se foi, eu sabia que tudo só iria ficar pior.

Todo o time parece animado aquela tarde no ginásio. Menos eu. Era a grande final do campeonato: Lobos Brancos versus Filhos de Atena. Depois disso estaríamos de férias. Prontos para voltarmos aos nossos lares. Até seria legal, se eu não estivesse me sentindo o maior filho da puta do mundo. Como foi mesmo que Mio disse? "Você é o resultado de todas as coisas ruins que a vida te fez".

– Atenção time. – O treinador Marinho nos convoca. – Esse é o jogo mais importante do ano. Sei que podemos vencer! Todo mundo já sabe que ficamos desfalcados, depois que Mio acabou sendo expulso, mas isso não é motivo para desânimo. Filipo vai jogar no lugar dele, como artilheiro.

– Vai ser um prazer. – Filipo mostra um sorriso arrogante.

Entramos no campo ao som da multidão enlouquecida. Já que Mio não está entre nós, o nome que mais ouço ser gritado é o meu. Tomamos nossas posições. O juiz prepara o apito. A partida tem início. Ela é mais feroz e emocionante do que todas as anteriores juntas. A vontade de ser campeão é nítida em cada um dos jogadores. Mas algo está errado. Eu posso sentir. É refletido em todos os passes que faço, ou em todas as bolas que perco, por pura falta de atenção. O problema estava em mim.

– Ken! Cruza a área! – Filipo grita.

Já haviam se passado quase duas horas. O grande final se aproximava. O placar marcava dois a um para o time adversário, mas eu sabia que os Lobos Brancos ainda possuíam esperanças. Se empatássemos, poderíamos decidir nos pênaltis. Era tudo ou nada. Corto pela zaga, avanço entre os Filhos de Atena, até conseguir visualizar o gol a minha frente. Filipo toca a bola em minha direção. Ela para bem nos meus pés.

– Chuta! – Filipo grita novamente. Mesmo de longe, posso ver o brilho de esperança nos seus olhos.

Então, nesse exato momento, eu travo. Simples assim. Fico lá parado, sem conseguir me mover. Posso ouvir as vaias. Posso ouvir o apito do juiz anunciando o fim. Perdemos.

Eu era um estúpido. Havíamos perdido o campeonato e a culpa era minha. Somente minha. Pensei que não pudesse me sentir ainda pior, mas eu me sinto. Ninguém está gritando o meu nome. Ninguém sequer vem falar comigo. Apenas atravesso entre os jogadores, confrontando todos os olhares de reprovação. Por que eu não chutei a merda daquela bola? Por que? Sinto a pressão esmagadora de todo aquele clima ruim.

– Foi mal. – Falo com Filipo. Ele está parado, no meio do campo, com uma expressão aterradora. – Não sei o que deu em mim.

– Você pisou na bola. – É a única coisa que ele fala. Logo depois me dá as costas e vai se lamentar com outros jogadores.

Não existe motivos para comemorar, então vou direto para o meu quarto. Só depois de tomar um banho, deitar na cama e começar a assistir TV, que o peso daquela derrota começa a fazer efeito. Me sinto um pedaço de merda. Automaticamente começo a pensar em Mio. Acho que seria assim de agora em diante. Toda vez que eu me sentisse mal, pensaria nele. Mio havia dito que eu era egoísta. Levando em consideração que eu havia destruído o sonho de todo o meu time, provavelmente era mais uma coisa que ele tinha razão.

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