cap. 43 | mio

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Mio

Sim, eu era egoísta. Egoísta por ter retirado o direito de Ken se livrar daquela culpa, me entregando no lugar dele. Agora, provavelmente ele continuaria se culpando pelo acidente com Filipo, e também pela minha condenação injusta. É. Eu sei. Eu tinha consciência que havia feito uma escolha errada. Mas eu não pude evitar. Desde ontem à tarde, quando ele me disse o que faria, dei um pane total. Eu não podia deixar com que Ken pagasse por algo que não fosse culpado. Filipo era um louco, mas era eu quem ele estava perseguindo. Era o meu sangue que ele queria derramar, no piso daquele banheiro. Sim, eu era egoísta. Porque se houvesse deixado Ken se entregar, era eu quem nunca mais conseguiria viver em paz.

Depois de confessar o que não havia feito, fico praticamente uma hora na diretoria da escola, sendo interrogado por policiais. Me levam para a delegacia logo em seguida, com algemas que apenas são retiradas quando finalmente chegamos. Como eu era menor de idade, não sou levado para uma cela. Ao invés disso, me trancam em uma sala a parte, junto a outro menor infrator. Ele é alto, magricela e de semblante fechado.

– Você é japonês? – Ele me pergunta, alguns minutos depois.

– Não.

– Chinês?

– Mais ou menos.

– ET?

– Não.

O garoto parece confuso.

– Que porra você é então?

Não respondo. Para falar a verdade, apenas fico lá sentado, sem saber o que pensar. Será que estavam ligando para as minhas mães agora? Sinto um embrulho no estômago, só de imaginar.

– Eu tô aqui por que roubei uma cueca. – Escuto o garoto falar, outra vez. – E você?

– Eu matei meu colega de classe. – Respondo.

O garoto se desenvencilha, igual um gato selvagem, para bem longe de mim.

Me deixam preso naquele lugar por umas duas horas, mas pelo menos me alimentam. Eu não sabia como as "leis" funcionariam ao certo nesse caso, mas com certeza, existia extrema burocracia. Então, depois de praticamente virar uma peça da decoração, a porta da sala é aberta, outra vez.

– Mio Campari. – Um policial aparece. – Venha.

Sou levado até outra sala. Uma daquelas feitas propriamente para interrogatórios, com uma mesa metálica no centro, duas cadeiras, iluminação forte no meio e câmeras de segurança. Me sento frente a frente com o policial. Felizmente, não me algemam dessa vez.

– Pelo menos eu tenho direito a um telefonema? – Pergunto.

– Não. – Ele dá de ombros.

Eu até pensei em falar "Eu não respondo mais nada até estar na presença do meu advogado", mas aí lembrei que não tinha um advogado.

– Sério mesmo? – Arqueio as sobrancelhas.

O policial está olhando bem para a minha cara. De certa forma, parece meio entediado.

– Mio, você não vai ser preso.

Apenas fico lá imóvel, sem saber o que falar ou fazer. O policial continua preenchendo um formulário sobre a mesa. A indiferença com que ele trata minha cara de interrogação é notável. Me lembra até de mim mesmo.

– Três dos seus amigos apareceram na delegacia, há cerca de uma hora. Acredita que eles também confessaram ter matado Filipo Moscoviz? – Ele fala, novamente. – Não sei se vocês acham esse tipo de brincadeira engraçada, mas não é. Mentir para a polícia também é um crime, e vocês só não serão processados, porque são menores de idade. – O policial tem um sorriso amarelo. – Mas podem esperar pelo serviço comunitário.

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