cap. 38 | ken

4K 599 1K
                                    

Ken

Eu não queria ser gay. Nunca quis. Eu só queria ser um garoto "normal", como qualquer outro. Jogar futebol. Sair com os amigos. Namorar garotas... mas não foi bem assim que aconteceu. Eu nasci doente. Eu tinha um pênis, mas ele não gostava de vaginas. Ele preferia paus. É. Eu descobri isso bem cedo, mas tentei ignorar a todo custo. Quanto mais eu fingia, mas eu me tornava invisível. Um personagem. Eu sempre fui popular, mas as pessoas nunca me enxergaram de verdade. Para ser sincero, nunca tiveram o interesse. Elas viam o que eu queria que elas vissem. Elas gostavam do que eu queria que elas gostassem. E nesse dilema, quem eu era ficava perdido, junto com aquela parte gay rejeitada. Passavam do meu lado, mas nunca ousaram prestar atenção. Era como seu eu estivesse ali de pé, gritando: "Eu tô aqui! Por que vocês não olham para mim? Por que vocês não me veem? Eu. Tô. Bem. Aqui."

Eu tinha doze anos. Era aniversário da Glamour. Obviamente, como aluna mais popular da sétima série, sua festa seria lendária. Os convites foram mandados com quase um mês de antecedência. A temática seria "Alta costura", porque a aniversariante queria se sentir mais velha. Todo mundo já sabia que ela usava sutiã e tinha dado beijo de língua. Uma pioneira mirim.

– Eu já tô indo. – Avisei para meus pais, ao passar pela sala. Estavam aninhados, assistindo algum programa aleatório na TV. Nessa época, ainda não trabalhavam vinte e quatro horas por dia.

– Espera aí, mocinho. – Minha mãe chamou minha atenção. – Eu disse que você precisava levar seu irmão.

Me lembro de revirar os olhos, cruelmente.

– Mas mãe! – Reclamei. – Ele não passa de uma criança idiota! Meus amigos vão rir da minha cara...

– Kennedy, não diga isso. – Meu pai advertiu. – Ele é seu irmão.

Parecia um pesadelo. Precisei ficar lá parado, enquanto Lulu terminava de se arrumar. Alguns minutos depois, ele apareceu com seu tênis mal amarrado e camisa maior que o corpo. Havia penteado seus cabelos dourados para o lado. Parecia um pateta.

– Não se esqueça, quero vocês de volta as dez e meia. – Minha mãe avisou.

Quando saímos de casa, pude ver Filipo me esperando. Estava de pé, frente ao carro do seu pai, que iria nos levar até a festa. Ele já começou a rir, assim que avistou Lulu andando atrás de mim, feito um rabo de cachorro.

– Por que você trouxe ele? – Filipo debochou.

– E você acha que eu queria? – Arqueei as sobrancelhas. – Meus pais me obrigaram, é óbvio.

Lulu parecia indiferente a conversa.

– O carro do seu pai é muito legal. – Ele comentou, com Filipo.

– Lulu, cala essa boca! – Perco a paciência. – Não é porque você vai comigo, que as pessoas querem saber da sua opinião.

Ele fez um bico e se calou, finalmente.

Chegamos a casa de Glamour, pouco tempo depois. Tudo estava radiante e explosivo, como já era o esperado. A decoração era Black and White. Manequins e vestidos extravagantes. Esbarramos com ela no centro do salão, enquanto tirava incontáveis fotos com noventa por cento da escola, incluindo garotos e garotas da turma seguinte. Seu vestido curto e maquiagem nos olhos, a faziam parecer mais velha.

– Magnifique! – Ela disse, em francês. Todo mundo estava cansado de saber que estava tendo aulas com um professor parisiense. – Vocês chegaram.

Filipo olhou para Brenda, ao lado de Glamour.

– Oi. – Ele acenou.

– Oi. – Brenda respondeu, claramente tímida.

Perfeitos [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora