cap. 48 | ken

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Ken

Não é que eu queira ser depressivo demais. Eu apenas sou o que sou. Meus remorsos são como mortos vivos saindo da cova. Eles me atormentam toda noite. Eu não sei por que é tão difícil para mim deixar o passado para trás. É como um demônio agarrado no meu ombro. Ele fica me puxando para baixo. Eu estou me arrastando pelo chão, e dessa vez, ninguém está aqui para me salvar. Porque Mio se foi. Eu mandei ele embora. Nosso "amor" criou um som horroroso. Eu dei um tiro no escuro, mirado bem na minha garganta. Eu procurei o paraíso, mas acabei encontrando o inferno. E quer saber, eu faria tudo de novo, se tivesse a chance. Mas hoje preciso enterrar esse peso debaixo do chão.

Faz uma semana que Mio e eu brigamos. Uma semana desde que não nos falamos. Na última vez, durante a festa de Lulu, expulsei ele da minha casa. Logo depois, peguei meu celular e mandei uma mensagem para Thales. Não fez diferença. Um minuto depois, acabei a apagando, antes que ele pudesse visualizar.

Passei os dias seguintes trancado dentro de casa. Dentro do meu quarto. A algum tempo atrás, eu raramente ficava sozinho. Estava sempre na academia, cercado de pessoas. Uma das características do isolamento é o autoconhecimento. Ele te obriga a pensar, segundo após segundo, em toda sua vida. Essa é uma das piores partes para mim. Descubro que não consigo imaginar minha vida sem Mio. Simplesmente não consigo. Eu vejo ele em tudo. Nas pequenas e nas grandes coisas. No presente e no futuro. Eu não conseguia enxergar uma vida sem ele...

Isso não era bom.

Estou com meus fones de ouvido, deitado na cama. Vez ou outra, uma música da "Lana Del Rey" é reproduzida, então provavelmente não estou nada bem. Reparo quando a porta do quarto se abre e minha mãe aparece. Pauso minha playlist depressiva.

– O Mio tá lá embaixo. – Ela oferece um sorriso. – Ele quer ver você.

Parte de mim se sente feliz. A outra parte se sente estúpida, por se sentir feliz.

– Não sei se quero ver ele agora. – Falo.

Minha mãe arqueia as sobrancelhas. Parece desacreditada.

– Já tem uma semana que você não sai desse quarto. E não venha me dizer que não tem haver com o Mio, porque eu sei que tem! – Ela se irrita. – Para de ser tão orgulhoso e conversa com ele. Você sabe que eu não suporto te ver assim.

Não é que eu não quisesse conversar com Mio. Para falar a verdade, eu estava com medo. Alguma coisa estava diferente. Eu não podia explicar, mas eu conseguia sentir.

– Tudo bem. – Dou de ombros. – Fala pra ele subir.

– Na verdade, eu já havia falado... – Ela parece sem graça. – Mas ele prefere te ver lá fora.

Aquilo era estranho? Bem, eu não sei. Da última vez que nos vimos o expulsei da minha casa. Ele tinha motivos para não querer entrar.

Troco de roupa. Saio pela porta. Lulu também estava trancado no seu quarto. Minha mãe voltou para o escritório. Meu pai estava na sala, lendo uma revista idiota sobre economia. Caminho até a porta de entrada, que já estava aberta, e me deparo com Mio do lado de fora. Ele está lá de pé, com as mãos no bolso. Nenhum de nós está sorrindo.

– O que você quer? – Questiono.

– Precisamos conversar. – Ele responde.

Sinto um gosto amargo contra a boca.

– Pode falar. – Dou de ombros.

Mio está cabisbaixo. Não é difícil presumir que suas próximas palavras não sejam agradáveis. Mesmo assim, ele consegue sustentar seus olhos em mim.

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