Capítulo 15

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Apesar deles todos estarem conversando, não impediu nadinha de ouvir a conversa lá do outro lado da sala, de uma garota é filha de policial com um amigo dela, que não é filho de policial, mas adora ouvir papo sobre isso. Tantas tretas minhas com essa garota já foram parar na direção, que terminaram em suspensão... E já foi avisado que se eu levasse mais uma suspensão nesse ano, eu ia ser expulsa, mas sinceramente, eu tava nem aí. No fundo, eu tava louca pra ir pra outra unidade do meu colégio.
— Bruna (filho de militar): Eu soube que próximo mês vai ter operação pesadona lá no complexo da Penha. Aqueles otários vão se fuder! De blindado, vão dez! De helicóptero vai mais um monte, mas não lembro quantos!
— Caio (não-filho de militar): Ih, não vai sobrar um bandido pra contar história! — Disse enquanto ria
— Bruna: Eu quero ver é geral da favela se fuder mesmo! Cê acha que eu tenho pena?!? Geral que vive em favela tem dedo no crime! É só dar brecha que tá lá no meio!
— Roberta: E você tem demência, Bruna, só pode! — Disse alto, pra geral olhar mesmo
E geral olhou. Adoro!
— Bruna: Tenho demência por estar falando a verdade?!?
— Roberta: Que verdade que cê tá falando?!? Tu já colou num morro pra saber se isso que tu tá falando é verdade?!? Lá tem muita gente de "mal", sim, mas também tem muita gente de bem! Muita gente que acorda às quatro horas da manhã pra pegar no trabalho de sete! Gente que passa duas horas ou mais pra chegar no lugar que você mora, pra garantir seu sustento, pra pôr comida na mesa! Gente que você, Bruna, passa pelo seu condomínio de classe A e nem olha! Tu é mais uma patrícia entre tantas outras que nunca subiram um morro e quer falar de lá como se soubesse das paradas! Se liga, garota! Tu não passa de... — Disse com o dedo na sua cara, e o professor me interrompeu
— Felipe (professor): ROBERTA, CHEGA! SE NÃO EU VOU MANDAR VOCÊ IR PRA DIREÇÃO!
— Roberta: Manda então!
Nisso, ele abriu a porta e apontou pra eu sair, e eu saí, e ele me seguiu até à direção. Plena do jeito que vim ao mundo, fiquei com as pernas cruzados sentada na poltrona, com a maior cara de vento, enquanto o professor relatava tudo que tinha acontecido na sala. No final, não deu em nada. Nada?!? Quase 1hr de discussão pra nada?!? Ah, não vai ficar assim, não! Quando voltei pra sala, 5min depois, o sinal bateu, liberando os alunos que largam às 11h30 — no caso, as turmas do ensino fundamental II, que eu faço parte. A última aula era de artes e o professor tava apoiado na sua carteira, esperando geral terminar de copiar oque estava no quadro. A sala tava completa ainda.
— Roberta: Ser artista, pop star pra mim é pouco. Não sou nada disso, sou apenas mais um louco, clamando por justiça e igualdade racial. Preto, pobre, é parecido, mas não é igual... — Cantei no ritmo de um rap
— Heverton (professor): Roberta, a senhora tá insuportável hoje!

A Marj, quando eu voltei da diretoria, contou que geral tava falando da minha "discussão" com o Bruna.
— Roberta: Odeio gente que quer falar das paradas sem ter base, professor!
— Heverton: E qual base a senhora tem? — Perguntou em tom de deboche
— Roberta: Minha guarda é compartilhada entre meus pais desde que eu era pequena. Fico com meus pais nos dias de semana, aqui pertinho, e nos fins de semana, fico com minha mãe, no Alemão. Relevarei pro senhor porque o senhor é professor substituto e não deve saber que eu sou cria de lá.
— Heverton: "Cria"? Você tem entre treze e quinze anos! — Disse rindo
— Roberta: O que o senhor quer dizer com isso?
— Heverton: Não entende nada do lugar que mora.
— Roberta: Não entendo? — Repeti, rindo — Ai, professor, me poupe! Te dou aula sobre a vida no morro, e não é tão fácil quanto o senhor deve achar — Olhei pra Bruna — Assim como certas garotas que nunca pisaram no morro e dizem que lá só tem marginal.
— Bruna: Ninguém precisa de aula pra saber que no morro só tem bandido, que você fica defendendo!
— Roberta: Eu defendi bandido aonde, minha filha? Dou conselho sempre que vejo meus amigos dizendo que querem entrar pra boca, dou conselhos pra quem já entrou, mas eles não seguem, acham que essa vida aí tem futuro, eu vou fazer o quê? Matar, como você acha que é o correto? Quem mais se fode nessa guerra é morador inocente! Conheço uma pá de gente que já foi baleada, e nunca fez nada de errado! Também tinha vários amigos, várias amigas que foram mortos em confrontos. Conheço várias pessoas que tiveram seus parentes mortos em confrontos! Se você quiser, eu te apresento, sem ironia nenhuma! Policial morre, bandido morre, mas gente inocente també morre!
— Bruna: Claro que essas pessoas desse lugar aí nunca fizeram nada de errado. Vocês que fazem as regras lá, né? Matar, roubar, sequestrar, estuprar, essas paradas aí, não devem ser errado! — Disse no mesmo tom de deboche que o professor
A Bruna e o companheirinho de merda dela, o Caio, começaram a rir, e eu não aguentei ficar quieta e voei em cima dela. Pensei que ela ia peidar, mas não, veio logo nos meus cabelos. Querida, o bebê da mamãe ninguém toca! Nóis brigou que foi no chão! Rolou tapa, arranhão, joelhada, murro... Uns doíam, não vou negar pra vocês, mas eu adoreie! Só saí de cima dela porque meu pai me tirou de cima dela; o Heverton segurou a merdinha.
— Wallace: Brigando de novo, Roberta?!?
— Roberta: Ela tava dizendo que no morro só tem bandido — Respondi, fuzilando a Bruna com o olhar
— Bruna: Só falei verdades!
— Roberta: Garota, tu cala tua boca, se não eu vou te pegar na hora da saída! — Rosnei, tentando chutá-la, mas meu pai tava me segurando

Índiazinha do Alemão - Pré História ✧ Donde viven las historias. Descúbrelo ahora