Capítulo III

2.5K 339 679
                                    

— Tome, leve para a terceira mesa – recebo a primeira ordem da Dona Regina, assim que atravesso a porta.

Varro o olhar pelo lugar e logo me dou conta de que não há um único rosto novo em meio às mesas redondas e avermelhadas. Todos são velhos e conhecidos clientes, os quais fazem as mesmas coisas, todos os dias. Em outras palavras, ninguém com quem eu vá me casar.

— E aí, Sr. Weber, como estão os cãezinhos? – Entrego-lhe a xícara com macchiato.

— Estão ótimos. Acredita que a mais velha teve cria? – Ele gira o longo bigode grisalho com a ponta dos dedos. — Se quiser um, é só me falar, mas não deixe que a Teresa saiba que fui eu quem te deu. Sei que ela não mora aqui, mas dá para acreditar que me deu a maior bronca só porque deixei o meu Petgru na porta?

— Claro que acredito – balanço a cabeça. — Outro dia ela discutiu com a gerente da boutique, apenas porque as roupas não estavam separadas por cor e tamanho. Então, nada me surpreende. Faça algo que não a agrade e dê início à Terceira Guerra Mundial.

Ele dá uma gargalhada alta.

— É estranho, pois nunca vejo vocês duas juntas.

— Nem queira – digo rapidamente. — A gente não se dá muito bem. Ela é muito perfeccionista e suas ordens me estressam. Ainda bem que ela só vem periodicamente, caso contrário, esse lugar já teria explodido.

Afasto-me dele e vou atender outro cliente. Tive que inventar uma justificativa padrão e convincente para todos os questionamentos sobre as minhas outras versões. Agora, as pessoas acham que a Teresa é a minha tia, que vem passar um tempo na cidade, coincidentemente, nos dias quentes. A Despina é a irmã insatisfeita da Dona Regina, que aparece apenas no inverno, e minha avó. Já a pequena Maia é filha da Teresa, que aparece no restante dos dias para passar as férias. A Teresa não ficou nada satisfeita com a história que espalhei, principalmente porque eu disse que ela era mãe solteira e que o marido a havia abandonado na noite de núpcias. Talvez eu tenha acrescentado que ele fugiu com a mãe dela, mas isso nunca foi uma justificativa para ela ter queimado todas as minhas minissaias.

Me viro para voltar ao balcão, quando a porta do café se abre, balançando o sininho.

— Deixe com a Brenda – a Dona Regina me indica o cliente com a cabeça. — A partir de hoje, você está pertinentemente proibida de atender rapazes.

— Não seria "permanentemente"?

Ela fecha a cara e volta para a cozinha. Penso em falar da farinha que está em seu cabelo, mas desisto. Se eu me estressar com a Brenda, ao menos terei do que rir mais tarde.

No instante seguinte, observo os passos da Miss Oferecida direcionarem-se ao cliente. Seus dedos compridos e finos parecem uma plantação de cenouras, e ela fica alisando o aplique oleoso e cheio de pontas duplas, como se estivesse em um comercial de shampoo.

Ela anota o pedido do rapaz, enquanto seus lábios ressecados murmuram algumas palavras, destilando o veneno. Ele está sorrindo. É inacreditável o quanto ela é antiprofissional. Não posso deixar que isso aconteça. Ela está em um ambiente de trabalho.

Ah, como eu odeio essa garota!

— Brenda, esqueceu a sua pomada para candidíase lá no banheiro – digo, fingindo não ter percebido o rapaz ali.

— A minha... o quê?

— A gente sabe que você está tratando a candidíase e te apoiamos – continuo, segurando em sua mão e imprimindo complacência em meu rosto. — Mas tem que tomar cuidado para não perder a pomada. O tratamento é importante e você, melhor do que ninguém, sabe disso. Lembra daquela vez em que teve sífilis? Tudo deu certo no final, porque você se cuidou.

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora