Capítulo XVI

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Quando a noite começou a se aproximar e os clientes diminuíram, sentei no escritório que adaptei da minúscula despensa e comecei a organizar a enorme pilha de papéis. Separei cada uma das planilhas por semana e comecei a elaborar inúmeros esquemas de planejamento para os próximos meses.

— Teresa, está tudo bem?

— Sim, está – sorrio. — Só estou com um pouco de dor de cabeça. Mas não é nada com que deva se preocupar.

— Você parece tensa. Já tentou algum remédio? Tem aspirina na parte de cima do armário. Coloco lá para que a Despina não veja. Sabe como ela é com remédio.

— Não precisa, Dona Regina – digo, batendo a caneta por cima da folha, não conseguindo disfarçar a frustração. — Vou ficar bem, obrigada.

Pela primeira vez, não consigo terminar uma planilha. Quero dizer, eu sequer consigo entender o que estou fazendo aqui. É como se a minha cabeça estivesse com algum tipo de bloqueio.

— A Brenda está terminando de servir o último cliente – ela diz ao espiar a cafeteria. — Tivemos um dia exaustivo. Você precisa descansar um pouco.

— É, pode ser isso – esfrego a testa, massageando-a.

Não é o excesso que está me deixando assim. Trabalhar sempre me acalmou. O que estou sentindo é diferente. É esquisito. Nunca, em todos esses anos, me senti assim. É como se eu tivesse deixado de fazer algo extremamente importante. Mas o que poderia ser?

— Só por curiosidade – a Dona Regina me encara com seus grandes olhos castanhos —, você repetiu o mantra hoje cedo, certo?

Um frio corre pela minha espinha. O mantra não atua como um poder, nem magia ou qualquer coisa sobrenatural. Mas, de alguma forma, ao repetirmos a costumeira frase, uma parte do nosso cérebro é bloqueada, impedindo-nos de cometer certas insanidades que possam colocar a vida das outras em risco. E eu não o repeti. Meu Deus! O que deu na minha cabeça?

— Está tudo sob controle – minto.

— Não sei porque ainda me preocupo– ela suspira aliviada, rindo, voltando para a cozinha. — Você é a pessoa mais responsável que conheço

Quando tive a certeza de que ela já estava longe, repeti o mantra imediatamente, torcendo para que nada fugisse do controle. Tentei refazer os cálculos e projeções, mas tudo o que conseguia fazer era riscar dezenas de linhas sobre a folha em branco, até que tivesse a forma de um ancinho de jardim.

— Teresa, já estou indo – Brenda acena do lado de fora, depois de ter fechado as portas e fechado os toldos.

— Posso acompanhá-la até a sua casa? – Pergunto, tentando não parecer desesperada por não estar conseguindo fazer nada. — Preciso tomar um ar fresco e, bem, conversar com você.

— Claro – responde ela, confusa. — Pode, sim.

Nos primeiros minutos em que caminhamos, Brenda não disse muito sobre os acontecimentos de sua vida, mas eu tinha a certeza de que algo de estranho estava acontecendo. Ela é uma menina muito bonita, inteligente e dedicada, mas as suas marcantes expressões estão totalmente distorcidas pelo excesso de maquiagem. A sua mãe, nas poucas vezes em que conversamos, sempre encheu-se de orgulho ao elogiar a filha, e eu sempre concordei que a garota tinha grande potencial.

— Você parece distante. Está muito pensativa – comento. — Há algo lhe preocupando?

— Ah, é só um lance com uma amiga – respondeu, coçando o cotovelo, assim que chegamos à porta da sua casa.

É um lugar simples e pequeno, com duas janelas de madeira e uma porta de vidro. As casas dessa região da cidade são todas simples e parecidas umas com as outras.

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora