Capítulo IV

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Olho pelo reflexo do espelho e vejo a enorme lua rodeada de estrelas. A noite está perfeita. Coloco uma calça jeans e calço uma bota marrom. Visto um casaco por cima da camiseta branca e passo um batom vermelho. Realmente, preciso de uma tatuagem. Tem algo faltando atrás da minha orelha e posso apostar que é uma cereja. Ou três estrelas. Ou um dinamite. Seria legal tatuar um dinamite atrás da orelha.

Confiro as horas. Estou um pouco atrasada para a festa do Artur. Ele é um mala que estuda comigo, mas as suas festas são sempre boas. A Dona Regina não gosta muito que saio de casa, porque ela é muito pessimista e sempre acha que tudo vai acabar em desastre. Mas faço uma chantagem emocional, forço algumas lágrimas e pronto. Problema resolvido.

Preciso me divertir de alguma forma e sei que não é ficando em casa, trancafiada.

Me olho mais uma vez no espelho. Estou bonita. Gosto de me sentir bonita. Gosto de receber elogios.

— Zoé – ouço uma voz esganiçada do outro lado da porta. É a minha amiga Nanda. Ela está me esperando há alguns minutos e, às vezes, acho que ela tem sérios problemas. — Zoé, está aí?

— Não, não estou.

— Sério?

— É claro que ela está, Nanda – o Diego fala. — Às vezes você é tão ingênua.

Reviro os olhos e abro a porta. Nanda me olha da cabeça aos pés, como se eu fosse algum animal de zoológico. Zoélógico. É engraçado, pois faz parecer que tenho muitas feras dentro de mim. E talvez eu tenha mesmo.

— Está pronta? – Ela me pergunta, esboçando um sorriso amarelo.

— Ah, já entendi – fecho a cara. — Vai começar a implicar por causa do casaco de novo? Já falei que vou te devolver. Só não sei quando.

Ela é mais velha que eu vinte e oito dias, sete horas e dois minutos. É a minha melhor amiga desde muito tempo, mas é muito esquisita e antiquada. Ela conserva o mesmo visual nerd de quando nos conhecemos, ainda crianças: duas longas tranças acastanhadas sobre o peito, camisa polo e saia plissada pouco acima do joelho. Sempre assim. Sempre. Os óculos de grau deixam seus olhos azuis ainda maiores, e até que são bonitinhos. Apesar de todo essa aparência intelectual, suspeito que o seu cérebro tenha o tamanho de um grão de amendoim.

— Só mais essa noite, pode ser? Sinto falta dele.

— Nanda, você nunca usou esse casaco.

— Mas você pegou ele assim que saí da loja – ela reclama, encolhendo os ombros. — Não tive a oportunidade de usá-lo.

— Então como é que pode sentir falta? – Questiono, revirando os olhos. — Vamos, não quero me atrasar.

Assim que passo pela porta, a Dona Regina me chama. Peço para que Nanda e Diego me esperem do lado de fora.

— Zoé, por favor, não faça nenhuma loucura – ela está passando roupas. — Me repasse o mantra.

— Fala sério!

— Zoé! – Ela torna a falar ainda mais firmemente.

— "Tricô, sapatilhas, planilhas e garotos: fazer, usar, organizar e nunca me envolver, nessa ordem, necessariamente".

— Muito bem – ela aprova, calmamente. — Volte às onze. Nem um minuto a mais.

Assim que abro a porta da sala para sair, me viro para ela.

— Pão de Forma?

— Que foi, Zoé?

— E se, só por essa noite, eu fizer as sapatilhas, organizar os tricôs, nunca me envolver com as planilhas e usar os garotos?

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora