Capítulo VII

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A manhã seguinte continuava igualmente fria, com fortes ventos silvando nas copas das árvores e chacoalhando as portas. Acordei duas vezes durante a madrugada para urinar, e isso me fez suspeitar de uma infecção. Se a Regina tivesse um pouco de compaixão, poderia me levar ao médico para pedir algum remédio e fortalecer o meu sistema imune, mas ela dá mais valor à essa cafeteria do que à mim.

O local estava cheio e razoavelmente organizado, mas as pessoas pareciam em um surto coletivo. Elas jogavam conversa fora e comiam bolos extremamente açucarados ou gordurosos, sem nem mesmo se preocuparem com a própria saúde. Mal sabem o quão difícil é controlar a glicose! Não é para menos que a população esteja cada vez mais obesa e com problemas cardíacos. Queria eu ter uma saúde de ferro e poder comer à vontade, sem nenhuma preocupação, mas, infelizmente, as coisas não funcionam assim. A minha saúde é muito frágil e eu preciso ter um controle muito rigoroso.

— Brenda, o que é isso? – Pergunto, assim que ela passa segurando uma bandeja, exalando um cheiro muito gostoso.

— Ah, é a nova receita da Dona Regina – ela diz, sorrindo. — Bolinho de ameixa com recheio de brigadeiro. Estrearam há alguns dias e já fazem o maior sucesso.

— Deixa eu provar um.

Pego, por coincidência, o maior dos bolinhos para experimentá-lo. É maravilhosa a sensação da massa dissolvendo na boca, mas a Regina pecou na hora de adoçá-lo. Falta açúcar. E a quantidade de recheio é muito pouca. Também não teria deixado no forno por tanto tempo. Teria tirado alguns minutos antes, para que o brigadeiro ficasse mais derretido.

— É... poderia estar melhor – comento, pegando outro bolinho só para me certificar de que realmente está ruim. — Eu faria bem diferente disso. Colocaria uma calda por cima e muito granulado.

— Não sei se a senhora deveria comer outro... – Brenda diz, juntando as sobrancelhas. — A senhora toma remédios para controlar a glicemia e...

— Acha que estou com diabetes? – Indago preocupada. — Faz todo o sentido! Estou tendo muito mais sede e indo muito mais vezes ao banheiro. Também estou fadigosa. Meu Deus, preciso de um médico! Preciso de insulina, Brenda, senão vou acabar morrendo! Ai, eu não sinto os meus pés!

— Acalme-se – Brenda coloca a bandeja em cima do balcão e ajoelha na minha frente. — Olhe, as pessoas que têm diabetes ficam... hum... com o queixo marrom, de acordo com um novo estudo. E a senhora não está.

Olho diretamente nos seus olhos, mas parece que ela diz a verdade. Aos poucos, o meu coração vai reduzindo as batidas até voltar a me acalmar.

— Tem certeza disso?

— Sim, Despina. A senhora não está doente, não se preocupe.

****

Após ter comido mais quatro ou cinco bolinhos, ainda não tinha certeza de que gostava deles. Eu mesma gostaria de ir lá na cozinha e preparar uma fornada daquela receita e mostrar para Regina como é que se faz, mas a minha cabeça doeu a tarde toda, preocupada com a minha arritmia. Ainda tinha o fato de algumas pessoas rirem de mim, por acharem que eu estava dormindo na cadeira, mas apenas havia fechado os olhos para refletir sobre a vida. E a rodela úmida na minha blusa não era baba. Era a água que havia entornado de alguma dessas infiltrações.

Àquela hora da tarde não era tão movimentada. Na verdade, não havia nenhum cliente na cafeteria, então a menina Brenda resolveu aproveitar para passar maquiagem com o auxílio de um espelhinho de bolso, sentada em uma das cadeiras dos fundos. Delicadamente, passou uma sombra rocha sobre a pele negra, deixando seus olhos ainda mais bonitos. O batom vermelho era muito bonito, também, e realçava o seu imenso sorriso branco.

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora