Capítulo VI

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Odeio quando a coberta fica escorregando da cama e esse colchão dos Flintstones só piora a situação. Meu ouvido está zumbindo, como se tivessem enfiado uma caixa de marimbondos na minha cabeça. Tento abrir os olhos, mas a minha visão está embaçada. Não quero ter que fazer outra cirurgia de catarata. Da última vez, fiquei bem próxima de me encontrar com a morte, mas já fiz um acordo com Deus e só vou fazer isso depois de viajar de balão.

— Imaginei mesmo que te encontraria – Regina abre a porta, trazendo consigo o sol inteiro para dentro do meu quarto.

— Quer me deixar cega? É isso mesmo? Por que não fura os meus olhos de uma vez?

— Pare de drama, Despina. Hoje vou precisar de você no café.

Ergo o braço para tatear o meu corpo, mas logo vejo a flacidez nítida nos simples movimentos que faço.

— Hoje eu tô com tanta dor nas juntas, que nem sei se vou conseguir sair da cama – falo com a voz fraca. — A propósito, precisa trocar esse colchão. O chão é mais macio do que essa porcaria!

— Te vejo em cinco minutos – ela me ignora e bate a porta.

Enfio os pés no calçado felpudo e sigo para o banheiro. A Zoé deixa esse lugar tão bagunçado, que sinto como se estivesse vivendo em um chiqueiro. Detesto ter que ficar desviando de todas essas calcinhas e sutiãs espalhados pelo chão, mas também não os apanho, por desaforo. Os jovens de hoje em dia precisam aprender a respeitar e ter mais organização.

Abro a porta do armário e começo a pegar os meus comprimidos, colocando-os sobre a pia. Há remédios para o coração, pressão, glicemia, Alzheimer, visão, queda de cabelo, manchas na pele, problemas na unha, arritmia, poliomielite e outros mais. São muitos remédios e vitaminas, mas não posso deixar de tomá-los. Uma única vez desleixada e morro. Por isso, preciso tomá-los periodicamente.

Após alguns minutos, após tomar todos os remédios e ainda senti-los entalados na garganta, sigo novamente para o quarto e abro a segunda parte do guarda-roupa, procurando pela peça mais quente que possuo. Certamente, é o casaco bege de lã, mas não o encontro em lugar algum.

— Despina, não queria pedir novamente, mas preciso mesmo da sua ajuda – Regina está de volta ao meu quarto.

Curioso, o casaco bege está com ela.

— Ele aquece bem, não é mesmo?

Regina cruza os braços.

— Despina, toda vez é a mesma coisa. Esse casaco é meu. Você só o quer, porque me viu usando agora há pouco. Mas, se isso te fizer vir me ajudar, então tome-o.

Pego o casaco de suas mãos e o visto. Acho que ela tem mais rugas que eu, apesar de ser mais nova. Já cansei de falar para ela que o estresse está acabando com a sua pele, mas Regina não me dá ouvidos. Fora isso, o estresse influencia na queda de cabelo e afeta o coração. É uma bomba-relógio!

O casaco ainda está quente por causa do calor corporal, mas isso é bom. Detesto sentir frio.

— Aquele seu cachecol vermelho é tão quentinho...

— É igual ao que você tem, só muda a cor.

— Tudo bem – resmungo, chateada. — Já estou acostumada a passar frio. Quem sabe não morro congelada e viro uma peça de museu?

— Não exagere – ela cruza os braços. — Anda, me diga o mantra.

Fecho a cara.

— "Tricô, sapatilhas, planilhas e garotos: fazer, usar, organizar e nunca me envolver, nessa ordem, necessariamente."

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora