Capítulo XLIII

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— Por que toda essa gritaria? – O Padre Constantino pergunta, aparecendo no local. — Por que vocês dois estão discutindo?

— Os meus pais se separaram por causa dela! – Ele grita, ainda eufórico.

— Do que você está falando, Dante?

— Ela roubou isso de mim, tio – ele responde, trêmulo. — Essas são as passagens que o meu pai comprou, quando decidiram dar mais uma chance para o casamento deles. Mas a Zoé roubou de mim na cafeteria! E a minha mãe pensou que o meu pai estava mentindo – ele ajoelha-se e começa a chorar mais alto. — Tudo seria diferente! Tudo!

O padre para diante dele e coloca uma mão sobre o seu ombro. Depois, olha para mim, que permaneço estática próxima à porta, assustada.

— Ela não fez os seus pais se separarem, Dante – ele diz com paciência. — O tempo fez. Eles passavam por problemas no casamento desde antes de você nascer. A questão é que decidiram continuar juntos por sua causa. Mas depois eles continuaram brigando, se desentendendo, e foi ficando mais difícil a convivência. Depois veio a Brenda, e as desculpas para permanecerem juntos apenas se tornaram mais sólidas, mas não eram reais. Aquela não era uma relação verdadeira. A viagem não mudaria o fato deles não se amarem mais.

Ele abraça o tio, ainda chorando.

— Mas teria sido diferente... Eles poderiam ter tentado... Agora ele está morto!

— Não sabemos o que poderia ter acontecido – ele diz simplesmente. — A Zoé não fez com que eles se divorciassem. O tempo foi o responsável. O amor deles já não existia. Não transfira para o outro a culpa do acaso. Isso aconteceria uma hora ou outra, infelizmente.

****

— Isso vai ser o melhor para nós – Despina diz, fazendo com que os meus lábios se movam involuntariamente, assim que atravesso o parque. — Seria terrível viver com uma pessoa que sempre a culparia por algo que você não fez.

— Acho que deve voltar lá – Maia sugere. — Você devolveu a caixinha para ele e pediu desculpas. Está tudo bem.

— As coisas não estão nada bem, Maia – Despina responde. — Ele a acusou! Ela não tem culpa pelo que aconteceu.

— Mas ela pediu desculpas! – Maia insiste, torcendo os meus lábios. — Eles não podem terminar assim!

Elas continuam discutindo, enquanto caminho pelo gramado próximo ao lago. Mesmo com todas essas versões dentro de mim, me sinto completamente vazia. Arrependida de tudo o que fiz. Responsável por todas as pessoas que passaram no meu caminho. Responsável por todas as vidas que arruinei.

— Meninas, esperem! – Teresa ordena com um tom de voz sério. — A Zoé quer fazer algo, não percebem? Ela não está bem! Por favor, Zoé, não faça isso!

Sigo para uma parte deserta do lago e tiro as minhas botas, deixando-as sobre o gramado. Depois, tiro as minhas meias e as jogo para o lado, suspendo o meu vestido com ambas as mãos e adentrando àquela água fria e cristalina.

— Você... Você não quer fazer isso – Despina diz, enquanto avanço para o meio do lago. — Por favor, Zoé!

Ignoro-a, dando passos maiores e mais decididos.

— O que estamos fazendo? Estamos visitando os patos? – Maia pergunta. — Não está um bom dia para entrar na água. Está gelada!

— Zoé, por favor! – Teresa pede, desesperada. — Pense em tudo o que vamos perder! Pense na Dona Regina e em tudo o que ela fez por nós. Pense nos seus amigos, nas pessoas que nos amam... Por favor, nós não sabemos nadar.

Ignoro-a, também, seguindo para a parte mais funda do lago, até que a água toque o meu queixo, submergindo todo o resto do meu corpo. Estou tremendo por causa da baixa temperatura da água, mas não estou disposta a sair dali.

— Me desculpem por fazer isso – digo, balançando a cabeça, me segurando para não chorar. — Não dá mais, de verdade. Não dá para continuar assim. Me desculpem por fazer isso, mas é a única solução. Logo, vão perceber que é a melhor escolha a se fazer. Nós não temos um futuro. Talvez seja por isso que compartilhamos o mesmo presente.

— Essa não é a única solução – Teresa intervém. — Por favor, Zoé, volte para a cafeteria. Volte para a Dona Regina.

— Você não está pensando direito, Zoé – Despina diz. — Por favor, nos ouça!

— Estou com frio – Maia reclama.

— Me perdoem – digo, imergindo de uma vez todo o meu corpo.

Nos primeiros instantes, enquanto todo o meu corpo estava debaixo d'água, senti que havia algo dentro de mim que lutava para sair dali, e se debatia e tentava gritar desesperadamente. Havia algo que lutava para sobreviver. E talvez eu quisesse, também, me levantar e voltar para casa. Mas, aos poucos, a resistência foi desaparecendo e o meu corpo começou a afundar para uma parte mais funda do lago, se acostumando àquela sensação como se eu fosse uma enorme e pesada rocha.

Então, fechei os meus olhos, e torci para que aquilo tudo acabasse da maneira mais rápida e indolor possível. Mas, quando abri os meus olhos, não estava mais no lago.

Estava em um lugar completamente escuro, sem janelas ou portas aparentes, mas que era, de certo modo, aconchegante. Não havia nenhum indício de eu já havia estado ali antes, mas aquele era o meu lar. Então, lentamente, fui me expandindo ali dentro, crescendo. E crescia como uma semente que germina em terra fértil, mas sem amor.

No instante seguinte, senti uma força muito forte me expulsando daquele aconchego e, assim, soltei um grito forte e doloroso. E então os meus pulmões se encheram de ar, queimando-o, e eu comecei a chorar. Aos poucos, fui abrindo os olhos, mas o lado exterior era muito claro e a minha visão muito embaçada.

— É uma menina! – Uma mulher exclama. — Como vai chamá-la?

— Eu não quero dar nenhum nome a ela.

— O quê? – A primeira mulher pergunta, chocada. — Você precisa dar um nome a ela!

— Tanto faz – outra mulher responde.

— Não pensou em um nome para a sua filha?

— Não a considero a minha filha – a mulher responde com indiferença. — Talvez eu coloque o nome dela de Despina, que, na mitologia grega, é a deusa do inverno. Essa criança trouxe exatamente esse sentimento frio e mórbido para a minha vida.

— Que horror! Não pode chamar a sua filha assim!

— Então vai se chamar Teresa, que significa "verão". Essa criança é desagradável e indesejável como um dia insuportavelmente quente.

— Não diga isso... Coitada! Ela é apenas uma criança! Não tem culpa do que aconteceu.

— Então acha que devo chamá-la de quê? – A mulher pergunta com sarcasmo, tentando mostrar todo o seu conhecimento. — Maia? A deusa da primavera? Acha essa criança agradável? Me poupe! Ela é a pior coisa que aconteceu na minha vida.

A primeira mulher me segurou nos braços e logo o meu corpo se aqueceu.

— Essa criança é cheia de vida – ela diz, sorrindo, me tocando carinhosamente. — Por isso, acho que deve se chamar Zoé. Zoé é um nome muito lindo. Acredito que combine com ela.

— Zoé? – A segunda mulher questiona, indiferente. — É um nome horrível. Combina com ela.

— Zoé é um nome lindo! E essa criança também é.

— Zoé.

— Zoé.

— Zoé! – Uma voz gritou mais alto e repetiu algumas vezes seguidas. — Zoé! Zoé! Zoé.

De repente, já não estava mais ali. Já não era mais uma recém-nascida odiada pela própria mãe. Alguém me segurava, arrastando-me para qualquer outro lugar longe dali. 

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora