— Zoé, me diga que está tudo bem, por favor – Nanda aparece ao meu lado, dando leves tapinhas no meu rosto. — Por favor, me diga que está viva.
— Como eu vim parar aqui? – Pergunto, me levantando e olhando ao redor. — Que horror! Estamos na escola?
— Sim! Você acabou de se transformar. Era a Maia quem estava aqui. Quero dizer, a Teresa. Mas antes também estava a Despina – ela para de falar por alguns instantes e suas expressões vão se tornando cada vez mais pasmadas. — Meu Deus, isso é mesmo verdade... Isso é verdade... Eu não estou louca, nem você mentiu... Você se transforma de verdade! Você tem outras três partes da sua vida vivendo esse mesmo momento! Isso é insano... Isso é insano, Zoé! Isso é muito insano!
— E como é? – Sorrio, olhando fixamente para ela.
— Como é o quê?
— A transformação, Nanda – digo, cheia de expectativas. — Sempre fiquei curiosa para saber como é, mas, como acontecia enquanto eu dormia, nunca pude ver. E a Dona Regina disse que nunca viu, também.
Ela me encara, boquiaberta.
— Bom, tem luz... Muita luz... E só! E aí você vira outra pessoa.
— Só isso? – O sorriso lentamente é desmanchado em meu rosto. — Imaginei que os anjos descessem do céu e levassem o meu corpo para uma espécie de armário de corpos, em algum lugar no vácuo quântico, enquanto toda a minha matéria fosse desintegrada e reformulada em um novo ser. Ou talvez que houvesse alguma máquina do tempo e alguma das minhas outras versões a utilizasse para chegar aonde estou e trocar de lugar comigo, inconscientemente. Ou talvez que houvesse uma chuva com raios, trovões, ventania, folhas secas, raios solares, neve e coisas do tipo... Ou que ao menos fosse como uma explosão tipo um canhão de confetes, com muita cor e brilho. Estou um pouco decepcionada. Luz tem no teto do meu quarto.
— Você não deveria estar preocupada com isso, Zoé – ela diz, brava. — Estão decidindo o seu futuro nesse exato momento! Já está uma confusão, porque a Despina apareceu no corpo da Teresa, mas com a voz da Maia. Depois a Maia apareceu no corpo da Despina, mas com a voz da Teresa. E, por fim, a Teresa apareceu no corpo da Maia, mas com a voz da Despina.
— Não brinca! – Tento esconder a risada.
— Não me faça repetir isso outra vez, Zoé! – Ela diz, segurando o meu pulso e me arrastando pelo corredor.
— Isso deve ter sido muito engraçado – comento, agora rindo de verdade. — Eu sempre perco os melhores momentos.
— Engraçado? Passamos a manhã inteira mentindo por você lá dentro! Colocamos em risco a nossa integridade moral, o nosso futuro e tudo o mais. Agora vá até lá e confirme tudo! Que a Olga adulterou os diários, que você quase sempre vem às aulas, que passa algum tempo cuidando da Despina... Tudo!
— Nossa, Nanda – dou uma risada descontrolada. — Você está diferente, garota. Qual a nova medicação que estão te dando? Você está com mais atitude.
Ela cerra os olhos e abre a porta, entrando na sala de aula. Assim que as pessoas me veem, fazem um silêncio instantâneo. O velho gordo ao lado da diretora Olga, provavelmente, é o oficial de justiça. E acho que ele também imagina quem eu seja.
— Zoé?
— Sim, sou eu – digo, cumprimentando-o.
— Bom, esperava que você viesse mais cedo – ele comenta, coçando o nariz. — Espero que a sua crise de ansiedade tenha passado. Já tenho informações suficientes, mas acho que nada se compara com o que você tem a dizer. Eu poderia te explicar o que já foi falado, te atualizar, mas só temos, hum, mais cinco minutos – ele confere o relógio. — Tenho outro compromisso. Então, por favor, o que você tem a dizer sobre as acusações da Diretora Olga?
Olho para a Dona Regina, que está apreensiva, roendo as unhas no canto da sala. Depois, olho para os meus amigos, que acenam com a cabeça em sinal de que eu devo seguir adiante confirmando tudo, e dizendo com o olhar que tudo vai dar certo. Por fim, olho para a Diretora Olga e enxergo, bem no fundo do seu olhar, o quanto ela teme que eu acabe com a sua carreira ali mesmo.
— Bom, eu agradeço muito, de coração, todo o esforço que cada um aqui nesta sala fez para me ajudar, com exceção, é claro, da Diretora Olga – sorrio, dando alguns passos pela sala. — Vocês estão aqui dispostos a me ajudar, apesar de eu ter sido, em algum momento, uma pessoa horrível com quase todos vocês. Eu não sou uma pessoa comum, vocês já devem ter percebido isso, mas estou rodeada das melhores pessoas que eu poderia ter. Sei que a maioria de vocês me acha irresponsável, egocêntrica e mentirosa, e eu realmente sou tudo isso e muito mais. Mas eu sei, também, que há algo de bom em mim e que vocês conseguem enxergar isso. Porque é exatamente por isso que estão aqui. Então, peço desculpas por todo o mal que causei, por todo o estresse, por todas as dores que provoquei, e agradeço, mais uma vez, tudo o que estão fazendo por mim – olho no rosto de cada uma daquelas pessoas e sorrio ainda mais. — Bom, senhor oficial, a Diretora Olga não mentiu. Eu realmente tive toda essa falta. Talvez até mais, eu diria, porque, algumas vezes, a Teresa pediu para que ela as perdoasse. E todas essas pessoas que estão aqui mentiram para me ajudar, mas a culpa é única e exclusivamente minha. Então, peço desculpas ao senhor por ter feito isso e, assim, admitindo toda a minha culpa, peço que me prenda pelos meus atos.
Ergo os dois braços para ele, para que ele possa me algemar. Ouço as pessoas soltarem pequenos grunhidos chocados. Mas ninguém em toda aquela sala está mais surpreso do que a Diretora Olga.
— Bom, isso foi chocante, eu confesso – ele diz, coçando a cabeça. — Mas vale lembrar que eu não sou um juiz, nem policial ou advogado. Eu sou um oficial de justiça. Apenas isso. Não posso prendê-la, nem condená-la ou julgá-la. Estou aqui apenas para verificar se você está apta ou não a se formar, e vou levar todas as considerações ao Conselho Estudantil – ele consulta outra vez o relógio e balança a cabeça. — Como eu disse, tenho um compromisso agora e não posso me atrasar. Fico muito agradecido pela colaboração de todos. Estão dispensados.
Há um grande reboliço na sala e muitas vozes exaltadas.
— Estão dispensados do inquérito – a diretora diz. — Não das aulas. Peguem o livro de história na página 176. E, Regina, pode se retirar com a Zoé. Não quero vocês na minha sala de aula.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Quatro Estações de Zoé
Novela Juvenil*Livro vencedor do prêmio The Wattys 2021* Enquanto Zoé é uma adolescente irresponsável e autoconfiante, Maia é uma criança com baixa autoestima e carinhosa. Teresa, por outro lado, é uma mulher inteligente e organizada, e Despina é uma senhora rabu...