Sigo para o meu quarto, deixando Brenda para trás. Que menina insuportável! Como vou fazer o Dante me pedir em namoro? Ele me odeia! Ou finge me odiar, porque, convenhamos, é quase impossível alguém não gostar de mim. E se eu não estiver por aqui até o dia da festa? E se o clima mudar e a Despina, a Maia ou a Teresa surgirem?
Não, melhor não pensar nessas coisas. Nada pode dar errado. Não há a menor possibilidade de eu pedir desculpas para a Teresa. Primeiro, porque é impossível. Depois, se fosse mesmo possível, jamais faria isso. Ela queimou as minhas minissaias! É imperdoável!
Coloco a bolsa no chão ao lado do guarda-roupa, empurro as roupas espalhadas para o canto e visto o avental da cafeteria. Depois, volto para a cozinha e pego um dos bolinhos de maracujá recém-assados que estão sobre o balcão.
— Não vai almoçar?
— Estou sem fome, Pão de Forma – mordo o bolinho. — Isso está sensacional!
— Você está meio estranha – Dona Regina comenta, desconfiada. — Não está aprontando nada, está? Está repetindo o mantra, certo?
— Não, não estou aprontando nada – sorrio, mostrando os dentes sujos. — E sim, estou repetindo o mantra.
— Por que todos esses desenhos no gesso?
— As pessoas gostam de mim.
Ela balança a cabeça, mas está tão atarefada que se contenta com a resposta e vai para o fogão.
De repente, ouço uma conhecida voz no café.
— Ei, Brenda! Onde está a Teresa? – Reconheço imediatamente a voz de Dante, surpreendentemente simpática, e dou uma espiada por entre a fresta da porta, sentindo o coração bater fortemente contra o peito.
Parece que ele está segurando algo nas mãos, mas não sei exatamente o que é. Talvez seja essa a minha chance de uma possível reaproximação.
— Acho que foi embora ontem à noite. Nem tive tempo de me despedir, para ser sincera – ela mexe no cabelo. — Por que está procurando por ela, Dante?
— Ela... ela foi embora? – A decepção é nítida em sua voz, o que deixa tudo ainda mais estranho. — Não acredito nisso! Mas entendo, depois do que aconteceu, é claro.
— Você trouxe flores para ela? – Brenda pergunta como se estivesse brigando com ele. — Está louco? Por que faria isso?
— O que? Não, não são para ela – ele balança a cabeça. — Bem, são para... São para a Zoé, é claro. Soube que ela quebrou o braço e quis fazer uma gentileza. Muita coincidência, não? Digo, a Teresa e a Zoé terem quebrado o braço na mesma semana.
Meu coração dispara ainda mais, agora como se eu estivesse sofrendo de arritmia cardíaca, enquanto meus olhos quase saltam da órbita. Por que é que ele levaria flores para mim? Será que ele só estava fingindo que me odiava nesse tempo todo? Céus, eu sou mesmo incrível!
— Para a Zoé? – Brenda pergunta revoltada. — Você pirou de vez?
— Brenda, fique calma! – Ele ri nervoso, olhando para os lados, preocupado com o tom de voz dela. — Ainda está tudo sob controle. Além do mais, a Zoé deve estar dormindo ou fazendo essas outras coisas que... bem, essa coisas malucas que ela faz – ele continua. — Quer saber? Foi uma péssima ideia ter vindo.
— Que bom que reconhece – ela concorda, ainda brava. — Foi uma ideia muito, muito estúpida!
Abro a porta no mesmo instante e caminho despretensiosamente em direção à eles, deixando a Brenda ainda mais irritada. Dante está um pouco sujo de terra, o que é justificável já que ele trabalha como jardineiro, mas continua indescritivelmente lindo. Ao que tudo indica, veio direto do trabalho – o que, na minha humilde e modesta opinião, só ressalta o quanto está apaixonado por mim.
— Oh! Zoé, você está aí – ele diz, engasgando. Eu tenho mesmo esse charme de tirar o fôlego. — Bom... como está a Teresa?
— Está bem.
— Ela já foi embora?
— Sim.
— Sabe quando ela volta?
— Achei que tivesse vindo me ver – respondo mal-humorada.
— Ah, claro – ele olha para Brenda, depois para mim. — Como está o seu braço?
— Quebrado?! – O ergo. Como ele pode ter mudado tanto em tão pouco tempo, se alguns minutos atrás ele estava sendo completamente babaca comigo?
Enquanto tento desvendar as minhas dúvidas, percebo a Brenda afastar-se de nós, brava, voltando a limpar as mesas. Um a zero para a Zoé.
— Bem, espero que melhore – ele sorri de lado, virando-se de costas. — Até mais!
— E as flores?
— Ah, é... são mesmo para você.
Ele aproxima-se de mim e, sem olhar nos meus olhos, as deixa sobre a mesa.
****
O clima continuou estável durante as duas semanas seguintes, o que seria positivo se não estivesse tão sobrecarregada com a cafeteria e com a escola. As pessoas do colégio não se impressionavam mais com o meu braço engessado e nem estavam interessadas nas minhas histórias maravilhosas, porque estavam sempre preocupadas com as cruéis e fatigantes avaliações que eram despejadas em cima da gente. Nanda e Diego quase não conversavam comigo e pareciam ter tantos segredos, que eu me sentia completamente excluída quando estava perto deles. E, para piorar, a minha antipatia pela Brenda aumentava toda vez que a via. E infelizmente eu a via todos os dias.
Por outro lado, estranhamente, quase não havia encontrado Dante. Nas poucas vezes em que o vi, estava sempre ocupado com todo o trabalho na jardinagem ou com as atividades da faculdade. Ele também continuava me tirando do sério e, às vezes, até me ignorava, o que reduzia drasticamente as chances de eu fazer com que ele me pedisse em namoro até o fim do mês.
E eu tinha que fazer alguma coisa.
— Como está o casal mais lindo e fofulete desse mundo? – Pergunto para os meus amigos, forçando uma voz infantil. — O que vão fazer hoje à noite?
— Estávamos planejando estudar para as avaliações da semana que vem – Diego responde, olhando para Nanda. — Em breve vamos nos formar, Zoé. Temos que ter mais responsabilidade.
— Em breve vamos envelhecer e morrer, também – respondo, sentando entre os dois. — Que tal um cineminha? Hoje é a estreia d'Os Bad Boys.
— Você detesta filmes desse gênero – Nanda comenta, esfregando os braços. — Além do mais, o cinema vai estar lotado. Todo mundo de Hauste vai estar lá.
— É óbvio que vai! É o filme do Will Smith! – Respondo. — Vamos, por favorzinho.
— Zoé, não vai dar mesmo...
Levanto-me, imprimindo a expressão mais triste e piedosa que tenho.
— Tudo bem – falo baixinho. — Eu sabia que muitas pessoas acabam se esquecendo dos amigos quando começam a namorar, mas não pensei que isso fosse acontecer com a gente. Éramos tão amigos, mas, pelo visto, estava errada.
Os dois se entreolham e eu continuo fingindo que estou triste. Forço algumas lágrimas e me viro de costas, dramaticamente, começando a caminhar arrastando os pés sobre o gramado do colégio.
— Acho que podemos estudar amanhã – Diego comenta.
— É, podemos mesmo – Nanda concorda. — Nós não te abandonamos. Vamos ao cinema com você, Zoé.
Sorrio triunfante – sem que eles percebam, é claro. O meu brilhante plano está apenas começando.
![](https://img.wattpad.com/cover/228395727-288-k407373.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Quatro Estações de Zoé
Teen Fiction*Livro vencedor do prêmio The Wattys 2021* Enquanto Zoé é uma adolescente irresponsável e autoconfiante, Maia é uma criança com baixa autoestima e carinhosa. Teresa, por outro lado, é uma mulher inteligente e organizada, e Despina é uma senhora rabu...