Capítulo XXXVIII

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Eu não havia sonhado absolutamente nada naquela noite. Também não tive nenhuma memória imediata. Nem mesmo havia aberto os meus olhos, mas sabia que não fazia tanto frio naquele dia – o que era algo muito estranho. Era como se fosse um dia de outono. Ouvia a leve brisa movimentando as folhas das árvores e eu nem precisava de mais uma coberta para me aquecer. Havia algo de muito estranho acontecendo. Eu queria passar mais tempo deitada, mas algo me fazia querer levantar. O delicioso cheiro que exalava da cozinha, a leveza do meu corpo, a voz que estava na minha mente, os sonhos guardados dentro de mim...

Levantei com certa disposição e me espreguicei. Então, segui até o banheiro para lavar o meu rosto e tomar os meus remédios. Deixei que a água corrente molhasse cada parte dele e, aos poucos, fui me despertando. Depois, peguei a toalha e passei sobre a minha pele, massageando-a, enquanto erguia o rosto para me olhar no espelho.

— Aaaaaaaa! – Grito assustada, com a voz finíssima de uma criança.

Regina corre até mim, também assustada.

— O que está acontecendo, Teresa? – Ela pergunta, me encarando. — O clima não é seu... Quero dizer, não esperava vê-la aqui hoje. Achei que ainda seria a Zoé. Não está tão quente para você aparecer.

— Não sou a Teresa! – Foi o que eu disse, mesmo que o meu corpo fosse o de uma mulher de 35 anos. — Sou a Despina!

— A sua voz! – Ela aponta para mim, chocada. — Você está com a voz da Maia!

— Acho que sim – digo, sentando-me na cama e colocando as mãos no pescoço. — O que está acontecendo?

— Vocês piraram, só pode! Ou então eu pirei! Ou então o mundo pirou! Isso não é nada bom!

— O que vamos fazer?

— Eu vou acabar enlouquecendo – ela diz, arfando. — O corpo da Teresa, no clima que deveria ser da Zoé, com a voz da Maia, mas, na verdade, você é a Despina. Como isso pode estar acontecendo? E agora, o que vamos fazer?

— Foi exatamente o que eu te perguntei. Eu não faço ideia, Regina – confesso. — Estou tão confusa e surpresa quanto você. Que cheiro gostoso é esse?

— É um bolo que fiz para a Zoé. Hoje é o seu aniversário de 18 anos. Mas, de verdade, não consigo te levar a sério com essa voz. Nem com esse corpo, Despina – ela suspira, angustiada. — Está tudo arruinado! Tudo!

— Por que diz isso?

— Hoje é o dia em que o oficial de justiça vai no colégio. Era a única chance da Zoé conseguir voltar a estudar. Agora está tudo arruinado!

****

Mesmo com a voz infantilizada e com uma mente idosa num corpo adulto, eu precisava ir até o colégio e tentar convencer o oficial de justiça a manter os estudos da Zoé. A pessoa mais indicada para isso, eu não tinha dúvidas, era a Teresa, mas ter somente o seu corpo não me ajudava em nada! A não ser o fato de estar com tudo "em cima" e poder caminhar muito mais rápido.

— A Teresa jamais se vestiria assim – Regina comenta, me olhando de cima a baixo. — Você precisa usar roupas mais atuais. Um vestido longo, florido, talvez, e não essas roupas de crochê.

Balancei a cabeça e peguei um de seus vestidos. Não era adequado para o clima, por isso peguei um casaco da Zoé e joguei sobre os meus ombros.

— E agora?

— É, melhorou um pouco – ela fala, enquanto caminhamos para fora. — Já pensou no que vai fazer quando chegarmos lá?

— Vou falar que a Zoé teve uma crise de ansiedade e que, por isso, não pôde comparecer a escola hoje. Depois, vou desmentir tudo o que a bruxa mal-amada disser. Em último caso, vou esmurrar a cara dela. Agora eu tenho mais força e mais motivos para isso, também.

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora