Capítulo XXXVII

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Para o meu alívio, aquela crise de identidade durou apenas algumas horas. Depois de chorar todas as lágrimas que me restavam e a Dona Regina ter pedido ao Dante para ir embora, ela me levou para o quarto e imediatamente peguei no sono, acordando apenas no dia seguinte.

— Não é possível que toda vez que eu acordar, vou dar de cara com você me observando – digo, olhando para a Brenda que está sentada em uma cadeira no canto do meu quarto com os braços cruzados. — O que foi? Está com alguma obsessão por mim?

— Vim saber se estava tudo bem com você – ela diz calmamente, caminhando na minha direção e sentando-se na cama. — Meu irmão me falou sobre o seu "ataque histérico". Ele ficou confuso, então eu vim até aqui e a Dona Regina me explicou o que havia acontecido. E ele também mencionou sobre uma certa caixinha.

— O Dante sabe sobre mim? Você contou a ele?

— Não, claro que não, Zoé – ela diz seguramente. — Eu consegui contornar a situação, apesar de querer contar toda a verdade. Mas isso não é um assunto que cabe a mim. Ele acha que vocês quatro estão tramando algo contra ele. 

— Por que não me disse que ela era seu irmão? – Sento-me na cama, esfregando os olhos. — Eu podia jurar que vocês tinham um lance.

— Bem, você sempre me tratou muito mal na cafeteria e eu estava farta de ser humilhada – ela confessa, olhando para as palmas da mão. — Quando o meu pai morreu, a Dona Regina me dispensou durante uma semana, mas ela disse a você que havia me demitido, porque eu a pedi que te dissesse isso. Então, nesse tempo, com a vinda do Dante para Hauste, acabei contando a ele tudo o que você fazia comigo e, assim, decidimos nos vingar de você – ela para de falar e me encara, envergonhada. — Bom, um dia eu estava aqui com a Maia e encontrei a pasta com todos os seus projetos de casamentos... Então descobri qual era o seu ponto fraco. Foi por isso que pedi que o Dante fosse o mais babaca possível com você, que mexesse com os seus sentimentos. E para ele, de certo modo, foi bem fácil, pois já estava abalado pela morte do meu pai e estava muito apegado à família, então faria exatamente o que eu pedisse para não me ver sofrer. E, de verdade, eu pensei que duraria apenas alguns dias, pois seria muito difícil continuar fingindo que ele não era meu irmão. Mas, aparentemente, todo mundo sabia disso, exceto você. Então levei a vingança mais adiante. Mas eu não contava que ele se apaixonaria por você, Zoé. E nem pela Teresa.

— Isso é tão perverso! – Digo com um pouco de raiva, mas sorrindo em seguida. — Mas confesso que foi brilhante, Brenda. Você até que tem uma mente incrível e eu me sinto orgulhosa por ter tido uma inimiga a minha altura. Me desculpe por ter te tratado tão mal nesses últimos anos. Acontece que sempre senti um pouco de... não sei ao certo a palavra. Quero dizer, você sempre foi bonita, desimpedida, cheia de estilo... E eu queria ter uma vida um pouco parecida com a sua.

— Qual é, Zoé? – Ela sorri, me cutucando com o cotovelo. — Você tem todos os caras aos seus pés! Além disso, é a garota mais interessante, linda e popular da cidade! 

— Mas eu também sou uma criança esquisita, uma mulher maluca e uma velha desaforada – a recordo, também sorrindo. — E me desculpe pelo que fiz na festa. Jamais daria em cima do Nicolas. E frise o "jamais", por favor, porque eu realmente falo isso com sinceridade. Estava possessa de ciúmes, eu acho, pois pensei que você e o Dante estivessem juntos... E ele realmente era o único cara por quem eu havia me interessado em toda a minha vida. Além do mais, eu havia perdido a aposta, então simplesmente surtei.

— Aquela aposta nunca valeu – ela diz. — Eu sabia que você nunca ganharia, porque eu havia convencido o meu irmão a fazer tudo o que eu pedisse. Mas confesso que temi um pouco... Ele estava apaixonado por você, Zoé. Apaixonado de verdade. Se o clima tivesse colaborado, com toda a certeza eu teria perdido.

— Mas ele acabou escolhendo a Teresa – digo.

Ele me encara durante alguns segundos. 

— Sabe qual é a impressão que tenho, Zoé? – Ela diz, agora séria. — Você se tornou a sua maior inimiga, afinal. No fundo, você compete consigo mesma. Você se tornou a sua maior sabotadora, a sua maior desestimuladora e, agora, está achando que perdeu uma batalha cuja guerra já está ganha. Não percebe isso? 

Balanço a cabeça, concordando. No fundo, toda aquela conversa fazia sentido.

— Obrigada por isso – a abraço. — Sei que não mereço que você seja legal comigo.

— Bom, 75% de você sempre me tratou bem – ela ri. — Acho que te devo uma.

****

Apesar das coisas estarem completamente confusas (não era nem meio-dia e a Brenda e eu já havíamos nos tornado amigas íntimas), eu sentia que, de alguma forma, as coisas acabariam se resolvendo. Mesmo sendo pouco provável que aquilo tudo voltaria a ser como antes, ainda tinha esperanças de que conseguiria um desfecho feliz.

Na semana seguinte, todos os meus amigos haviam voltado a estudar normalmente, mas eu estava oficialmente impedida de ir para a escola. Eu estava quase sempre presa dentro de casa, e as únicas pessoas que me visitavam eram a Brenda, o Diego e a Nanda. Dante tentou inúmeras vezes, mas a Dona Regina nunca mais o deixou entrar. Enquanto eu me preocupava em manter a minha sanidade, ela recorria à todas as alternativas possíveis para que a justiça voltasse atrás e me permitisse voltar a estudar.

— Se for preciso, Zoé, nós vamos contar a verdade – ela disse, suspirando, não vendo outra saída. — Não posso permitir que não conclua os seus estudos.

— Eles não acreditariam.

— Se for o caso, nós provaremos. Colocamos você em um quarto de vidro ou em qualquer coisa do tipo e esperamos o clima mudar. Mas eu não vou permitir que a Olga destrua o seu futuro. Não outra vez!

— Talvez eu nem queira terminar os estudos – falo, balançando os ombros. — Posso tentar a carreira de modelo fotográfica. Ou posso fugir com o circo! Ou talvez eu comece a vender meus conselhos de moda, não seria incrível? Ou talvez eu consiga um trabalho como camareira em algum hotel luxuoso. Ou, quem sabe, tento seduzir o baterista de alguma banda de rock. 

— Você vai estudar, sim! – Ela diz com convicção. — Esse ano você vai se formar e nós não discutiremos mais isso, está me entendendo?

— Tudo bem. Se a senhora diz, então está dito.

Após a aula, Nanda, Diego e Brenda apareceram na cafeteria completamente eufóricos, como se uma nova Guerra Mundial tivesse eclodido em alguma parte do mundo e aqui fosse o único lugar seguro. 

— O que está acontecendo aqui? – A Dona Regina pergunta.

— É, digam logo – falo, nervosa.

— Precisamos contar algo a vocês – Diego sorriu, balançando as mãos.

— Sim, temos duas notícias quentíssimas para te dar – Nanda diz, animado.

— É, mas vamos começar pelo que é prioridade – Brenda lembrou. — Como sabem, um oficial de justiça vai na escola amanhã para saber como era a relação da Zoé com os outros alunos, como parte do protocolo, então convencemos a turma a mentir por você. Todos ficaram extremamente irados com o que a Diretora Olga havia feito e, portanto, concordaram em dizer que você não teve tantas faltas como ela tanto alega. E os outros professores, também. Todo mundo está ansioso para que ela seja retirada do cargo de diretora, inclusive do Conselho de Relações Universitárias. 

— Não brinca! – Abro um sorriso.

— E a outra notícia, Zoé, é que a Vicky Nevada estará na cidade no próximo mês – Nanda diz de forma animada.

— Não brinque comigo, garota!

— Ela vai fazer um tratamento de pele e adivinhe só quem é a médica! – Diego fala, tão empolgado quanto a namorada.

— A mãe do Artur? – Questiono, dando pequenos saltos entusiasmados, enquanto o meu coração dispara. — Diga que é a mãe do Artur, por favor!

— Sim! E, como presente, a Vicky Nevada vai cantar na nossa formatura, Zoé! A Vicky Nevada!

— Me segura, pois acho que vou desmaiar!

As Quatro Estações de ZoéOnde histórias criam vida. Descubra agora