— Zoé, está na hora de subir ao palco – ouço a voz de Vicky Nevada atrás de mim, como se fosse alguma espécie de conselheira. Ela puxa o meu braço e sorri. — Esperei por isso a vida inteira. Vá lá e arrase, garota! Eu sou a sua maior fã e acredito no seu potencial!
Balanço meus cabelos brilhantes, seguro o meu microfone dourado e subo no palco, ouvindo as milhares de vozes eufóricas que gritam o meu nome aos quatro cantos do mundo. A energia é incrível e o meu coração pulsa no ritmo das batidas da bateria. O piso reflete a minha imagem e os meus dançarinos, postos nas extremidades, já estão preparados para a agitação. Sinto o calor incendiar-me. Sinto o mundo abrindo-me os braços para que eu o envolva e nunca mais o solte.
Estou pronta para mostrar à todas as pessoas a estrela que vive dentro de mim.
Quando encaro a multidão, abro um imenso sorriso, como se estivesse vivendo em um sonho. Há milhares de fãs, enlouquecidos ao simples sentir da minha presença. Eles gritam o meu nome e pulam animados e vibram lunáticos e dançam energizados e eles são lindos e eles são autênticos e eles têm o rosto do Dante.
Espere, por que é que todos possuem o rosto do Dante?
— Zoé! Zoé! – A multidão de Dantes grita o meu nome. — Zoé!
Olho para os cantos e aquele maravilhoso rosto vai substituindo o rosto de toda a minha equipe que está no palco. O guitarrista, o baterista, o baixista, o tecladista, os dançarinos, os câmeras. Todos eles tem o rosto do Dante.
— Zoé! – Eles repetem ainda mais alto e mais eufóricos. — Zoé!
Olho para Vicky Nevada, que, a essa altura, já é uma Dante Nevada. Não sei o porquê de não ouvir o conselho do Padre Constantino e andar com um frasco de água benta no bolso.
— Zoé! – A Dona Regina me chama, balançando o meu ombro. — Acorde, garota! As aulas começam hoje! Agradeça a Deus por você ser você.
Abro os olhos, um tanto revoltada, despertando do sonho.
— Sempre fico com as melhores partes – murmuro sarcasticamente. — Que bom que me acordou, estava tendo um pesadelo terrível.
— Espero que não me conte! – A Dona Regina senta na cama. Ela está mais agitada do que o normal. — Tem um rapaz lá na cafeteria lhe procurando.
— Que rapaz?
— Não sei o nome – ela cruza os braços, franzindo a testa, como se me culpasse pela presença do tal rapaz. — Zoé, o que foi que você aprontou?
— O quê? – Levanto-me, indignada. — Eu não aprontei nada! Estou aqui há apenas alguns minutos.
A Dona Regina suspira.
— Bem, ainda está muito cedo e tem um rapaz lá fora!
— E por que acha que eu tenho algo a ver com isso?
— Na semana passada, a Maia saiu com a Brenda e voltou muito confusa, um pouco tristonha. E, até ontem, ela ficou desviando os assuntos e não quis me contar o que realmente aconteceu – ela cruza os braços. — Por que é que há um rapaz lá fora lhe procurando a essa hora, Zoé?
— E não deveria ser eu a lhe fazer essa pergunta?
— É, talvez. Mas e quanto a Maia, por que ela ficou tão diferente nesses dias?
— A senhora, que nos conhece há tanto tempo, deveria saber que não sabemos tudo da vida da outra – pego uma saia e a visto. — Mas tenho certeza que tem a ver com a Brenda. Essa garota é uma péssima influência! Estaria surpresa se soubesse que a Maia passou a tarde toda com ela e tivesse voltado normal.
— Zoé, não é disso que estou falando! – Ela fala de forma ríspida. — É um assunto sério! Estou mesmo preocupada. Veja se a Maia deixou alguma lembrança, algum recado ou qualquer outra coisa aí nessa sua mente.
— Não é assim que funciona – prendo o meu cabelo. — Quando há alguma informação essencial, é a primeira lembrança que tenho no dia. A lembrança é deixada, simplesmente, e isso se torna parte da minha lembrança também. É natural, eu acho. Tipo a formação de um vulcão ou pôr-do-sol ou essas rugas no seu rosto.
Dona Regina levanta e dá algumas voltas em torno de si mesma, com a mão no queixo. Ela realmente está preocupada.
— Vá lá atender o rapaz. Mas nada de gracinhas!
Assinto com a cabeça.
****
A curiosidade para saber quem é o garoto misterioso que está a me esperar é muito grande. Não vou mentir que desejo que seja um dos mensageiros reais, com uma carta dizendo que sou a filha que a Lady Di teve na adolescência, mas que, por motivos de força superior, teve que me deixar para a adoção, em sigilo. Ou talvez que eu seja uma parente distante da Carmen Miranda. Ou da Marilyn Monroe. Ou irmã da Júlia Roberts. Ou sobrinha da Oprah.
Quando me aproximo da porta que dá acesso a rua, dou uma espiada levantando um pé. O rapaz usa uma jaqueta jeans larga e uma touca vermelho-escura. Está de costas, ansioso, e parece completamente idiota.
— Nicolas?
— Zoé! – Ele fala apressadamente, segurando em meus ombros. — O que você sabe sobre a Brenda? Ela está dando em cima de alguém no café? Ela está saindo com alguém?
— Primeiramente – afasto-me dele, bruscamente —, nunca, jamais, em hipótese alguma, volte a encostar seus dedos nojentos em mim sem a minha permissão. Outra coisa, olhe bem para a minha cara e veja se eu sou paga para ficar cuidando da vida de alguém. Eu, hem!
— O que ela está aprontando? Por que ela está agindo de forma estranha comigo? Eu mandei ela largar essa porcaria de emprego, mas ela não me dá ouvido. Ela está com alguém? Acha que ela não me ama mais? O que você sabe?
Desvio o olhar dele e olho para o céu. O tom acinzentado e o vento que corre ligeiramente acusam estar muito cedo, o que justifica as ruas estarem desertas. Acho que faltam quase duas horas ainda para a cafeteria ser aberta.
— Nicolas, qual é o seu problema? Por mais que eu não goste daquela garota, não acho que ela esteja saindo com alguém que não seja você. E, a propósito, você é um doente, sabia?
Ele esfrega as mãos sobre os cabelos pretos. Costumava ser um rapaz muito bonito, mas havia algum tempo em que andava muito esquisito. Seu rosto parecia com o de um modelo, comprido e bem marcado, mas agora parece sempre triste e bravo. E ele era vaidoso. Mas, ultimamente, não se importa em andar mal arrumado. Nem mesmo se importa de usar essa mesma jaqueta por semanas seguidas .
— O que está insinuando?
— Você é obsessivo. Não percebe que você não é o dono dela? Pelo amor de Deus, garoto, se toca! A Brenda só pode ser louca de continuar com você. Deixa ela respirar um pouco, credo.
— Por que está defendendo ela? Você a detesta!
— Porque eu detesto muito mais você.
Ele morde a boca e sai enraivecido, chutando as latas de lixo. Depois, dá um soco em uma das placas de trânsito, fazendo-a entortar. Conheci o Nicolas há alguns anos, mas nunca fomos muito próximos. Fizemos alguns trabalhos escolares juntos, mas ele sempre foi meio esquisitão. Uma vez espalhou para a escola que eu ficava dando em cima dele. Só fiz isso uma vez, mas só porque estava entediada. Além do mais, ele era grosseiro com os professores e os outros funcionários da escola. E eu detestava isso.
Mas, desde que começou a namorar a Brenda, pirou de vez. Talvez ela tenha essa capacidade de deixar as pessoas assim, perturbadas. Quase como um superpoder.
Volto para dentro e, já que infelizmente estou acordada, resolvo ajudar a Dona Regina a arrumar o café. Às vezes a disposição vem gratuitamente, principalmente quando se está desesperada para esquecer o sonho terrivelmente maravilhoso.
Ah, Dante! Como eu te odeio!
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As Quatro Estações de Zoé
Genç Kurgu*Livro vencedor do prêmio The Wattys 2021* Enquanto Zoé é uma adolescente irresponsável e autoconfiante, Maia é uma criança com baixa autoestima e carinhosa. Teresa, por outro lado, é uma mulher inteligente e organizada, e Despina é uma senhora rabu...