Todo mundo sabe que sou uma pessoa inquieta. É inegável. Mas nunca me senti como estou me sentindo agora. Sempre foi difícil compreender tudo o que sou, eu sei, mas o meu corpo parece não pertencer mais a mim. Quase não consigo reconhecer os meus próprios pensamentos. O meu coração parece me sufocar a cada nova respiração. Sinto como se pertencesse a um filme dramático sem qualquer projeção de felicidade.
Por que acordei tão cedo nessa álgida manhã de outono?
Dou alguns passos em direção à janela e permito que o ar frio adentre os meus pulmões, mesmo com todo o rebuliço causado ao meu coração. Observo a silenciosa rua sendo iluminada pela fraca luz do poste. Algumas partes do meu cérebro parecem bloqueadas, impedindo-me de ir além de qualquer pensamento que não remeta à angústia e à solidão. Me sinto completamente fatigada, como se tivesse travado uma luta recentemente contra centenas de soldados romanos obcecados em obterem a minha cabeça.
Sinceramente, não consigo compreender ao certo o que pode ter acontecido. Nunca me senti assim. Será que eu morri e o meu espírito apenas está vagando por aqui?
— Zoé, acordada a uma hora dessas? – A Dona Regina diz ao abrir a porta, acendendo a luz. — Não consegui pregar os olhos. Queria muito vê-la.
— Queria me ver? De verdade?
— Claro. Como está se sentindo?
Viro o meu rosto lentamente, na esperança de que ela saiba alguma resposta para eu estar me sentindo tão estranha.
— Eu não faço ideia – sorrio, mas não é um sorriso alegre. — Há algo que eu precise saber?
Atravesso o quarto até ficar diante dela.
— A Teresa não quis deixar nada, não é? Imaginei mesmo que isso aconteceria.
Agora encaro fixamente os seus olhos.
— Deixar o quê, exatamente?
Ela inspira fundo, passando a mão sobre os bobs que estão fixos sobre a sua cabeça e, depois, aproximando a mão do meu braço, sobre a minha mão esquerda, especificamente.
— Isso.
— Meu Deus! O que é isso? – Grito espantada, só agora me dando conta de que o meu braço está engessado. — Eu tenho um gesso no meu braço! Como isso aconteceu?
A Dona Regina desliza a mão sobre o meu rosto e, complacentemente, me conduz para a cama, sentando-se ao meu lado. Então faz uma pausa, escolhendo as palavras certas para começar a me explicar.
— A Teresa foi atropelada, Zoé. Não foi nada grave, tirando o braço quebrado, é claro. Isso nunca ocorreu antes, nem nada parecido, então não imaginávamos o que poderia acontecer com vocês. Mas agora sabemos que as três foram afetadas. Então, por favor, mesmo sendo confuso, não condene a Teresa. Ela passou por muito estresse nesses últimos dias e, como era de se esperar, deve ter se envergonhado em compartilhar qualquer lembrança com vocês.
Fico em silêncio, ainda observando o gesso.
— A Teresa sendo irresponsável? – Começo a rir e, aos poucos, os sentimentos ruins vão sumindo. — Meu Deus! Isso é inacreditável! A Teresa foi inconsequente! Queria tanto ter visto!
— Zoé, não tem graça alguma! – Ela diz com rispidez. — Poderia ter acontecido com qualquer uma das quatro!
— Eu sei, mas não aconteceu – ergo levemente o braço esquerdo, ainda rindo. — Como é que eu vou explicar isso?
Agora a Dona Regina também está rindo. E não é uma risada simples ou boba. É uma gargalhada alta, verdadeira e contagiante, como nunca antes tinha visto. As nossas risadas ecoam pelo quarto, incontroláveis, e se juntam em um só coro. Deito na cama, comprimindo a mão direita na barriga, que começa a doer de tanto rir.
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As Quatro Estações de Zoé
Ficção Adolescente*Livro vencedor do prêmio The Wattys 2021* Enquanto Zoé é uma adolescente irresponsável e autoconfiante, Maia é uma criança com baixa autoestima e carinhosa. Teresa, por outro lado, é uma mulher inteligente e organizada, e Despina é uma senhora rabu...