— Zoé? O que faz aqui? – Dante pergunta, surpreso, atendendo a porta.
Está vestindo pijama e seu rosto está um pouco amassado, como se tivesse passado o dia inteiro na cama. Provavelmente emagreceu, também, e não tem cuidado do seu cabelo e nem da sua pele.
— Vim saber como você está.
— Por quê?
— Porque sinto que te devo isso – respondo, entrando na casa. — Você não está bem, Dante, e acredito que eu tenha culpa nisso. Mesmo que não tenha sido de forma direta. Eu me importo com você.
Ele anda de um lado para o outro, colocando uma mão no rosto.
— Zoé, seja sincera comigo – ele para e me encara. — Esta é a última vez que faço essa pergunta. Vocês tramaram algo contra mim?
— Não.
— Em nenhum momento vocês decidiram fazer algum tipo de vingança contra mim?
— Não.
— Então por que tudo isso?
— Porque não somos pessoas comuns, Dante – respondo, sentando-me no sofá. — Você chegou, simplesmente, com o seu jeito misterioso, um pouco babaca, mas também charmoso... Acho que todas nós enxergamos algo de especial em você. E nós quatro agimos assim porque nós cuidamos umas das outras. Nós nos priorizamos. E quando alguém entra na nossa vida inesperadamente, é comum que as pessoas que nos amam se preocupem. E é isso o que vem acontecendo. Eu gosto de você. A Teresa também gosta. Talvez até a Maia e a Despina. E isso nos afeta.
Ele se senta no sofá, de frente para mim, e abaixa a cabeça.
— Eu nunca tive a intenção de estragar a sua família – ele diz, arrependido. — Era para ser algo passageiro, uma brincadeira com você, até que a Brenda não se sentisse tão menosprezada. Mas agora estou muito confuso com todos esses sentimentos. E me senti muito mal por gostar de duas pessoas ao mesmo tempo. E a verdade é que, quando você está apaixonado por duas pessoas, não é justo que fique com nenhuma. Não é justo que uma seja a segunda opção, ou que a outra não receba todo o amor que está sendo doado. E é por isso que decidi me mudar, Zoé. Amanhã mesmo vou pedir a transferência da faculdade e me mudar para o outro lado do país. Já estou olhando uma casa para morar, e já conversei com o meu tio e com a minha mãe sobre isso.
Os meus olhos se abrem, espantados.
— Isso já está decidido? – Pergunto.
— Sim. Vai ser o melhor para nós – ele diz, afirmando com a cabeça. — E, sem querer ser rude, pode não ficar mais aqui? Passei as últimas cinco horas pensando em todos os motivos que eu tenho para te odiar, em todos os seus defeitos, em tudo o que você me fez, pois não quero me prender a nada. Não quero ficar recordando todas as coisas que me fizeram estar apaixonado por você.
— E quais as coisas que fizeram com que se apaixonasse por mim? – Levanto uma sobrancelha, sentindo as minhas bochechas corarem e as batidas do meu coração aumentarem o ritmo.
Ele faz um breve instante de silêncio.
— Não quero falar sobre isso – ele se levanta e abre a porta, segurando a maçaneta para que eu saia. — Por favor.
Levanto-me, em silêncio, e caminho em direção à porta. Mas, antes de sair, paro diante dele e abro a minha bolsa.
— Isso aqui é seu – digo, entregando-lhe a caixinha de madeira. — Não sei exatamente o que é, mas sei que pertencia à sua família.
Por alguns instantes, seus lábios se abrem como se quisesse dizer algo. Mas ele apenas corre os olhos pelo objeto, surpreso.
— Como conseguiu isso? – Ele questiona, segurando a caixinha. — Eu perdi isso há alguns anos.
— Eu roubei de você – o recordo. — Quando éramos crianças. Você estava na cafeteria segurando a caixinha e parecia que era a coisa mais sagrada e preciosa que você tinha. Eu fiquei curiosa. Curiosa com a maneira como você a contemplava. Curiosa para saber o que ela representava para você. E para saber o que havia dentro dela, é claro. Então eu me aproximei e pedi para que fôssemos amigos – paro por um instante e suspiro. — Mas você não quis. Pelo contrário, zombou de mim, da minha aparência, e disse que nunca seria amigo de uma criança tão esquisita quanto eu.
— O quê? – Os seus olhos me fitam, espantados, tentando mergulhar tão profundamente em suas lembranças a fim de encontrar a resposta certa. — Isso é impossível, Zoé! Eu me lembro de algo parecido, mas aquela garota tinha a minha idade... E você é uns dois anos mais nova do que eu. E ela me deu um soco...
—E te dei uma cadeirada – completei, torcendo os lábios, enquanto os fatos estavam mais claros do que nunca na minha mente. — Depois disso você desmaiou. Eu fiquei assustada, mas não arrependida. Então algumas pessoas ficaram ao redor para te socorrer. E eu peguei a sua caixinha e corri para o quarto, e a escondi debaixo do guarda-roupa. Depois retornei para a cafeteria e vi você sendo carregado nos braços pelo seu...
— Pai – ele me encara, enquanto as lágrimas inundam os seus olhos. — Era você...
— Sim – respondo. — Depois daquele dia, eu me achei a pessoa mais feia e horrível do mundo. Eu sofri muito com isso, durante muito tempo.
— Eu não fazia ideia, Zoé – ele diz, tentando procurar pelas palavras certas, enquanto lágrimas mais pesadas surgem em seus olhos. — Mas você... você roubou isso de mim! Tem noção do que você fez? – Ele sai de perto de mim e segue para o quarto, segurando a caixinha.
— O que está fazendo? – Pergunto, seguindo-o.
Mas ele não responde. Começa a revirar as gavetas do guarda-roupa à procura de algo, como se aquilo, de alguma forma, pudesse ajudá-lo.
— Dante, por favor, o que está acontecendo?
— Achei! – Ele exclama, segurando uma pequena chave e colocando-a no cadeado. — O que tem aqui dentro, Zoé, são duas passagens aéreas. Os meus pais haviam juntado uma grana para comprar, porque estavam passando por uma crise no casamento, brigavam muito e estavam prestes a se divorciarem, então acreditavam que passar um tempo juntos, apenas os dois, restauraria o casamento. A minha mãe queria ser surpreendia quanto ao destino, esperançosa de que ainda pudesse haver romance em sua vida, e confiou ao meu pai que as comprasse. Ela queria poder confiar nele outra vez, porque havia muito tempo em que ela não acreditava em nada do que ele fazia... – ele segura os dois papeis prateados e os ergue, com os olhos marejados. — Ele era alcoólatra e devia muita grana, mas jamais enganaria a minha mãe desse jeito. Então, naquele dia, nós saímos para comprar as passagens. Eu estava empolgado, confiante de que tudo se resolveria e que voltaríamos a ser uma família feliz, então sugeri que colocasse as passagens nesta caixinha, porque ela simbolizava o amor deles.
— Dante...
— Depois disso, ele me levou para lanchar na cafeteria – ele continua, me interrompendo. — Era a primeira vez que tínhamos um tempo só nosso. Mas, em algum momento, ele se afastou de mim, talvez para ir ao banheiro ou conversar com alguém, e então você surgiu... – ele olha para mim e o seu olhar rapidamente se transforma em raiva e mágoa. — Você roubou isso de mim, Zoé! Você roubou e estragou tudo! Quando chegamos em casa sem as passagens, a minha mãe pensou que o meu pai continuava com as mentiras, com as bebidas, com as dívidas... Depois disso, eles discutiram e, naquele mesmo dia, decidiram se divorciar...
— Eu... Eu não fazia ideia...
— Eu me senti tão culpado por aquilo, tão triste pela injustiça que havia acontecido... O meu pai foi expulso de casa, Zoé! E então eu decidi ir com ele, porque eu sabia que ele precisaria de mim – ele diz, agora chorando enraivecido. — Ele nunca conseguiu provar a sua inocência! Nunca pôde se redimir com a minha mãe! Eu nunca pude ter uma família completa! E agora o meu pai está morto! Morto, Zoé! Morto! E a culpa disso tudo é sua!
Dou alguns passos para trás, assustada com os gritos.
— Dante, eu não fazia ideia...
— Claro que não fazia! – Ele grita, dando alguns passos na minha direção. — Você é inconsequente, Zoé! É egoísta! É repugnante! Eu tenho nojo de você! E se eu precisava de algum motivo para te odiar, saiba que agora eu tenho todos! – Ele sai do quarto e vai em direção à sala. — Saia já daqui! Saia!
— Dante, por favor, vamos conversar!
— Saia, Zoé!
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As Quatro Estações de Zoé
Teen Fiction*Livro vencedor do prêmio The Wattys 2021* Enquanto Zoé é uma adolescente irresponsável e autoconfiante, Maia é uma criança com baixa autoestima e carinhosa. Teresa, por outro lado, é uma mulher inteligente e organizada, e Despina é uma senhora rabu...