Acordei sob fortes dores nos pulsos e nos pés. As amarras me incomodavam e percebi que minha pele estava vermelha. Demorei para processar que estava na fábrica Shrock Prefab LLC. Só quando eu olhei para baixo constatei que estava estendido ao ar. A pouca luz que vinha da lua confirmava o que eu suspeitava.
— Eii — gritei através da escuridão. — Me tirem daqui.
Em resposta ao meu grito, a fábrica se iluminou, clareando minha visão por completo. Vi minha mãe e a Sra. Nellie recostadas sobre um parapeito do primeiro andar. Atrás delas uma sala de monitoramento, provavelmente onde elas poderiam me torturar como bem queriam.
— Me soltem — ordenei. — Estas correias estão me machucando. Não sinto meus braços e pés.
— Vamos soltá-lo assim que o processo de transferência for concluído — falou a Sra. Nellie.
“Processo de transferência?” Não gostei nada disso.
— Vá buscar nosso irmão, temos mais um hospedeiro — ordenou minha mãe.
A Sra. Nellie entrou na sala pronta para começar algum tipo de ritual. A projeção astral que tive no dia em que Wal fora possuído me dizia que aquilo iria acontecer comigo. Comecei a perder a fé por me ver sozinho, não tinha como ser salvo pelos meus amigos. Eu pedi para eles não me seguirem, somente alguém teimoso o suficiente para não obedecer ao meu desejo poderia nesse momento ser a minha salvação.
Fiquei de cabeça baixa deixando a depressão tomar conta de meus pensamentos, não tinha como eu me soltar. Parei de prestar atenção no que nossas mães diziam. Simplesmente… parei de lutar.
Em meio a depressão e lamentação, o processo para o ritual começou. Uma das duas ativara o centro de controle, meu corpo já dormente começou a descer devagar. Me deixaram ainda erguido, só fizeram minhas pernas se ajoelharem ao chão. Típico de vilões gostarem de ver os heróis ajoelhados perante eles. Bom… se eu fosse morrer ou sei lá o quê, eu não iria partir dando a eles o que queriam. Shaylan Harrison não se intimida com ninguém.
Pude ouvir seus passos chegando até mim calmamente, sabiam que eu estava em suas mãos. Nem me dispus a olhá-las, era doloroso demais.
— Olhe pra mim, criança — a Sra. Nellie disse com sua voz natural.
Não respondi.
— Olhe para nós, Shaylan. Olhe para sua mãe.
Usar a minha mãe como zombaria me deixou zangado. A minha resposta tinha que ser dada olho por olho. Tanto que a expressão de minha mãe se dividia entre diversão e crueldade.
— A minha mãe de verdade não está conosco — falei seriamente. — Ela é forte o bastante para não deixar ninguém agir e falar por ela. Você não passa de um intruso no corpo da pessoa errada. Todos vocês, aliás.
Somente quando parei de falar foi que notei um conteúdo deveras intrigante para mim. Nas mãos da mãe do meu melhor amigo tinha um pequeno baú. Captei rapidamente aquela mensagem. O momento da possessão chegara.
Apesar de ter dito que havia me rendido, não poderia partir sem lutar. Tentei mais uma vez me soltar das amarras em vão. Pelo menos, a dormência havia ido embora. Podia sentir meus braços e pernas, mesmo desconfortáveis e com dor.
— Vamos acabar logo com isso — disse a Sra. Nellie, sua voz gotejando tédio. — Quero ir para casa.
Quando ela abriu a caixa, vi uma criatura que nunca havia me dado medo ao ver nos filmes, mas na vida real me deixou apavorado. Era um alienígena como os que vi entrando pela via oral de Danton e Wal. Esse escolhido para mim tinha uma pelagem azulada e dentes semelhantes aos de um tubarão.
A criatura pulou da caixa e passou a se rastejar até mim. Fiquei encarando-a em vez de fechar meus olhos ou virar meu rosto. Já vira mais do que o suficiente por um dia (mais do que o suficiente para uma vida inteira).
Enfim meu último dia na Terra chegara. Seria assim que eu iria morrer? Iria doer como doeu no meu melhor amigo? Como sempre, meus olhos derramaram lágrimas enquanto o alienígena chegava perto de mim.
Quando já havia me entregado ao meu destino, uma silhueta enorme e negra apareceu na janela, parecia um lobo. Saltou em um movimento certeiro e decidido em direção à Sra. Nellie. Nem mesmo ela ou minha mãe perceberam sua investida, só se deram conta quando o lobo arrancou em uma única mordida a cabeça da mãe do meu melhor amigo. Foi uma cena horrível de se ver. Seu corpo tombou no chão bem na minha frente me sujando de sangue, assim como o alienígena que grunhiu ao sentir o líquido pingar em sua pele.
Logo o lobo repetiu a mesma investida na criatura a centímetros de mim, ela saltou bem no meu rosto e, se não fosse pelo lobo, eu teria sido um dos nossos inimigos agora. O alienígena só conseguiu tocar minha pele, seus dentes afiados bem perto do meu nariz. O alien foi empurrado para longe de mim, meus olhos automaticamente seguiram o desenrolar daquela breve luta onde o alienígena sucumbiu às garras afiadas do lobo que o despedaçou por completo.
O curioso era que o sangue daquele alien não era vermelho, para mim parecia pus de ferida escorrendo pelo chão. A cor dele era verde e gosmenta. Uma cena nojenta para quem ficar olhando por muito tempo.
Agora era o lobo contra minha mãe. Quando eu ia abrir minha boca para protestar, ouvi a voz de Violet.
— Você perdeu, senhora — ela gritou com sua arma de fogo pronta para usá-la.
Este momento foi muito estressante para mim. Não queria perder minha mãe e precisava encontrar um meio de salvá-la sem derramamento de sangue. A morte da Sra. Nellie ainda estava em minha mente tão nítida em cada cena que se seguiu. As lembranças boas vindo em vários flashes. Eu não ia mais suportar perder ninguém. Estava no meu limite psicológico.
Algo precisava ser feito e depressa, antes que fosse tarde demais e as consequências, irreversíveis.
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Night Hunters (Concluído)
AdventureBevery Falls não tinha nada de incomum - uma cidade monótona até. Tudo seguia seu rumo equilibrado para Shaylan que tinha preocupações mundanas - como passar nas provas de segunda-feira das quais não estudou - até que o chamado de seu amigo Walter s...