Capítulo Um: Antes de Tudo

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Quatro horas antes do ocorrido

No meu sonho, eu estava andando por um lindo bosque com meu primo distante. Nós dois girávamos de mãos dadas para testar quem iria cair ao chão primeiro, ríamos como nunca havia feito antes, era uma sensação libertadora. Na hora em que soltamos as mãos um do outro, caímos direto na grama, devido à tontura, nem cogitamos nos levantar. Ficamos ali mesmo, rindo da sensação… até que... Wal, sem prévio aviso, pulou em cima de mim, dizendo palavras que eu não compreendia de imediato. Seu peso sobre minha barriga me incomodou bastante, e ficar me chacoalhando só piorava mais meu humor.

— Acorda. — Suas palavras ficando claras. — Acorda, garotão, ac…

— Que é, desgraça?! — gritei ao me levantar, jogando-o da cama com o movimento brusco.

— Já tá na hora de ir pro colégio, cabeção — Wal me xingou enquanto arremessava um dos meus travesseiros na minha cara. — Nem o despertador conseguiu te levantar, se não fosse por mim, aposto que nem iria pra aula hoje.

— Ahh — murmurei, ainda processando o mundo desperto no qual fui forçado a entrar. — Tava tendo um sonho tão bom daqueles que nem queremos acordar, sabe?

— Sei, sim. — Wal pulou de novo na minha cama. — Agora vai se arrumar. Temos que sair daqui em meia hora.

— Opa, então posso dormir por mais vinte minutos.

— Nem se atreva, Shay.

— Hehehe. Tá bom, tô levantando. Satisfeito?

— Só depois que você se arrumar de verdade. O café da manhã já tá pronto.

Calcei meu chinelo, tirei meu pijama indo para o guarda-roupa me trocar. O legal de ter um melhor amigo é a sensação de liberdade que eles dão ao nos deixar ficar nus em sua presença.

— Te espero lá embaixo.

— Tá bom.

A parte boa de morar do lado da escola (não literalmente, mas na frente dela, do outro lado da rua) eram as vantagens que temos em poder acordar quase em cima da hora e já estar de prontidão para sair em seguida. A parte do café da manhã fica ao critério de quem segue esse ritual. Eu só tomo por causa do meu melhor amigo, que sempre vem me buscar para irmos juntos para o Colégio Loudonville.

Desci as escadas e me sentei, olhando direto para uma vasilha contendo ovos mexidos com bacon e queijo ao lado de duas rabanadas tradicionais cobertas com manteiga queimada e calda de xarope de bordo. Um café da manhã bem pesado. Minha mãe na pia, preparando mais dois ovos mexidos. Wal já havia comido o dele e percebi que estava de olho no meu. Sua cara de cachorro sem dono o denunciou facilmente.

— Sai fora que esse é meu.

— Ainda tô com fome, cara.

— Faz um pra você, ué.

— Poderia, se tivesse pensado nisso antes. Acabei esperando você descer, achando que seria rápido, e deixei o tempo passar. Estamos ficando atras...

— Aqui está, querido — disse minha mãe, toda dengosa. Sabia que ela sabia que Wal iria querer repetir o café da manhã.

— Obrigado, mãe. — Wal deu um beijo em sua bochecha (era assim que ele se referia à minha mãe depois de anos de intimidade). — Minha barriga será eternamente grata.

— Podemos ir, então? — falei após terminar meu café da manhã.

— Demorou – Wal se apressou em comer seus ovos mexidos com vontade, mais rápido que o necessário.

— Não coma tão depressa, filho – recomendou minha mãe. – Vai te dar mal-estar.

— Prometo não ficar indisposto na sala de aula – meu melhor amigo respondeu de boca cheia. Depois engoliu o restante, tornando a falar normalmente. – É que estamos quase atrasados mãe, você sabe como gosto de ser pontual né?
¬
— Te conheço tão bem quanto meu filho – minha mãe deu-lhe um beijo na testa. – Agora vão.

— E eu não ganho um beijo não? – fingi estar incomodado com um beicinho ao mesmo tempo em que cruzava os braços.

Minha mãe revirou os olhos com um breve suspiro. Veio até mim dando o mesmo afeto que dera em Wal. Sorri travessamente, sabia como ela ficava entediada com minhas ações infantis de vez em quando. Fazia isso só para provocá-la, sua reação era a das mais engraçadas. Independentemente de quem fosse, quando ela ficava incomodada ela falava na cara do autor deixando-os contra a parede.

Agora que estávamos reabastecidos, seguimos em direção à porta de saída.

— Nos vemos mais tarde mãe – falei assim que abri a porta.

— Boa prova, garotos.

Parei por um segundo depois que fechei a porta.

— O que foi? – Wal perguntou. Não dei uma resposta de imediato.

Putz.... era a semana de provas e nem tinha notado. O pior era que não estudei direito para matemática, estaria ferrado se um dos professores não deixasse minha turma estudar para a prova que seria depois do recreio. Torcia para que o professor de estudos sociais deixasse. A segunda prova, de inglês, eu tirava de letra. Esta eu não precisava me preocupar.

— As provas começam essa semana? – perguntei incrédulo.

Apesar de ter sido avisado uma semana antes do início das provas eu havia esquecido completamente delas devido aos meus afazeres mundanos. Incrível como algumas pessoas deixam tudo para a última hora e ainda sim conseguem dar um jeito de dar a volta por cima. Eu precisaria fazer o mesmo para não deixar minhas notas caírem. Nunca tive problemas com meu boletim escolar e não seria essa semana que iria manchá-lo com notas baixas.

Teria que correr contra o tempo se quisesse manter minhas palavras, felizmente eu tinha uma ideia para pôr em pratica e meu melhor amigo era tão louco quanto eu.

— Esqueci de lembrar que esta semana seria de prova — comentou Wal enquanto colocava sua mão envolta do meu ombro. — Fica perto de mim, se quiser colar.

Não falei. Esse é o meu garoto.

— Relaxa, amigo, fica em paz. Tô de boa.

E estava mesmo.

Não dissemos mais nada depois disso. Andamos até chegar ao colégio que naquele horário já estava cheio de alunos entrando e saindo antes do sinal tocar.

E lá vamos nós.

Night Hunters (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora