Prólogo.

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Eu não conseguia me lembrar da última vez que fazia tanto sol nem mesmo no verão. Estavam fazendo dez graus, mas o céu não tinha uma única nuvem sequer. Definitivamente era um dia horrível para um enterro, eu podia ver a cerimonialista ranger os dentes a cada vez que o vento batia nas cortinas da tenda, deixando o ambiente que ela provavelmente se esforçou horas para deixar mais escuro e triste, iluminado como a cidade de Miami.

Meu celular vibrou pela milésima vez na minha pequena bolsa de mão, me fazendo ter vontade de ir ao banheiro apenas para mandar Holly, que eu tinha certeza que lotava minha caixa de mensagens nesse momento, ficar quieta. Nós duas éramos inseparáveis desde que posso me lembrar, mas ela ainda não entendia que eu devia fazer algumas coisas. Eu era a filha mais nova da segunda filha herdeira de Mônaco, e então, eventos como esses vinham no pacote. Não que significasse alguma coisa, é claro, já que eu era a sétima filha.

Minha mãe Charlie teve seis lindos filhos biológicos, e quando me viu em um lar adotivo no Canadá pela primeira vez, todos sabiam que agora ela teria sete filhos. Adam, Sutter, Donna, Charlise, Claire, Charles. O meu irmão mais velho, Adam, também era irmão de Holly. Oliver Wado e minha mãe tinham feito faculdade juntos e de alguma forma, tinham tido um filho antes que fossem casados. Fato que só foi descoberto pelo pai de Holly anos depois já que o meu avô fez questão de garantir que o fato da filha ter tido um filho bastardo fosse o mais secreto possível devido a todas essas coisas que eu ainda não sou capaz de entender. Éramos uma família grande, mas extremamente feliz.

Mas nesse momento em especial, não existia tanta felicidade para mim. De todas as coisas detestáveis que Sutter me obrigava a fazer, essa com certeza era a pior delas. Funerais reais geralmente exigiam um longo e doloroso tempo, apenas o cortejo durava horas e sem falar que, se eu sequer saísse da imagem de menina perfeita perante as câmeras, iria ter que fazer todas as aulas de etiqueta como se fosse uma pequena criança aprendendo tudo novamente. Dessa vez, toda a minha família estava ocupada, inclusive meus pais. A escolha de vir ou não era inimaginável, alguém da casa dos Grimaldi deveria estar presente mesmo que nós não fôssemos tão próximos assim da Noruega.

Para a minha sorte, Anastacia era uma mulher simples que tinha nascido na Costa Azul e que tinha em vida decidido que queria que suas cinzas fossem jogadas no mar em que costumava brincar quando criança. Então toda a demora e tristeza fingida dos diplomatas foi esquecida. Eu só precisava aguentar mais alguns minutos antes que tudo acabasse e então, voltar para casa a tempo de Holly e eu assistirmos o filme que seu namorado estaria estrelando.

- Aquela vadia egoísta tinha que exigir ser cremada na frança. - Uma voz arrogante murmurou carregada de raiva, me fazendo virar o pescoço de forma indelicada.


Sebastian estava em pé a um metro de mim vestindo preto dos pés a cabeça. Seu rosto estava fechado como as poucas vezes que o vi e dessa vez, eu podia compreender a sua raiva. Existiam boatos de que ele e a mãe nunca se deram bem, aparentemente ela sempre demonstrou o quanto preferia seu irmão mais velho Christian. A história era alimentada a cada evento que a família Real Norueguesa aparecia, Sebastian nunca se deu o trabalho de esconder seus sentimentos para ninguém, me lembro apenas de uma conversa entre mim e ele em todos os anos que estivemos frequentando os mesmos lugares. Todos sabiam que ele era extremamente antisocial, e ele não fazia questão de mudar isso.

Uma das cortinas a minha esquerda se soltou com o vento, fazendo o sol bater na maioria das pessoas que estavam do meu lado. O cabelo loiro de Sebastian pareceu brilhar no momento em que a luz entrou em contato com seu corpo, como um perfeito anjo.

A maioria dos noruegueses que eu conhecia eram morenos. Pele extremamente pálida e cabelos extremamente pretos. Uma beleza simples, normal e comum. Christian, o herdeiro do norueguês se encaixava exatamente nesse padrão. Assim como sua mãe, seu pai, e seus tios que eu conhecia. Apenas Sebastian em toda família, possuía cabelos loiros e olhos azuis tão gelados que faziam os meus doerem se eu olhasse por muito tempo.

- Se divertindo? - Ele desviou seus olhos do monge budista que fazia a cerimônia me lançando um olhar tão frio que me fez tremer.

A expressão de raiva não deveria me chocar, mas mesmo assim, chocou. Sua mandíbula estava travada com a tensão deixando ele ainda mais bonito que o normal.

- Como poderia estar me divertindo? - Sussurrei com os olhos levemente arregalados. - Sua mãe, ela acabou de...

- Essa vadia não é a minha mãe. - Sebastian cuspiu as palavras fazendo algumas pessoas se virarem para nos encarar. - Não volte a falar isso. Nunca mais.

Pisquei os olhos ainda em estado de choque. Ele tinha mesmo chamado a mãe, morta a apenas três dias, de vadia na frente de todo mundo?

- Você não pode dizer isso só por quê está de luto. - Me vi falando antes que pudesse me conter.

A expressão antes dura de Sebastian, mudou para escárnio antes dele soltar uma gargalhada seca. Me senti ruborizada quase que automaticamente quando o monge parou de falar, fazendo cada pessoa presente olhar para mim.

- Luto? Acha que estou mesmo de luto? - Seu sorriso cruel cresceu ainda mais enquanto ele apontava para o jarro onde estava as cinzas da sua mãe. - Não tem ninguém que eu sinta mais ódio do quê Anastácia, para mim é um alívio que ela finalmente tenha morrido.

Alguns barulhos de choque começaram a se fazer presentes, dando início a uma onda de burburinhos que se instalou no local. Sebastian não demonstrou nem um terço de remorso ou culpa do que falou. Dando as costas para mim e para todos assim que terminou de beber seu whisky.

Meu olhar foi de forma automática para Christian, que parecia doente mesmo com a distância que estávamos. Ele não parecia ter ouvido uma palavra sequer que o irmão mais novo tinha dito. Parecia tão anestesiado de dor que não esboçava reação alguma. Diferente de todos que tinham parado de prestar atenção na cerimônia apenas para verem o show que Sebastian protagonizou antes de ir embora da forma mais cruel que poderia fazer.

O que diabos seria tão grave ao ponto de gerar tanto ódio? Eu não conseguia pensar em um dia sentir tamanha raiva assim dos meus irmãos, não me imaginava sentindo isso pela minha própria mãe.

- Algumas pessoas não possuem a capacidade de perdoar. - Uma pequena senhora suspirou ao meu lado. - Sebastian é uma dessas pessoas.

- Foi mais do quê a falta de nobreza do perdão. - Engoli em seco em sussurros. - Foi desrespeito por aquela que o criou, e o colocou no mundo.

A senhora riu, esticando a mão para apertar a minha bochecha como se eu tivesse sete anos de idade.

- Você é boa, Amerie. Não deve entender a maioria das coisas. - Ela sorriu me fazendo arquear uma sobrancelha. - Ás vezes, mesmo pessoas que deveriam nos amar, nos ferem tanto que não conseguimos superar.

Estreitei meus olhos para a senhora que aparentemente sabia o meu nome. Não era difícil, na verdade. Eu era a única da casa Grimaldi que não possuía lindos olhos claros e nem era elegantemente alta. De certa forma, isso me destacava.

Não me lembrava de ter conhecido-a em lugar nenhum e também não fazia sentido continuar aquela conversa. Fala sério. Ela achava mesmo que uma criação ruim era justificativa para ser tão babaca daquele jeito? Impedi que meus olhos se revirassem de forma indelicada e apenas assenti sem ser capaz de verbalizar mais nada que não mostrasse a minha opinião mais sincera nesse momento.

Mesmo com toda a beleza que Sebastian possuía, toda a riqueza do título de príncipe e de toda educação que tinha tido. Ele tinha escolhido agir como um idiota privilegiado que não pensa mais em nada além de si mesmo.



Postei e fugi

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