Capítulo 76

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Calafrios subiam pelos meus braços. Eles também pareciam estar doloridos. Pesavam como chumbo. 
Não conseguia ter certeza de muita coisa, mas o frio era real. 
Será que ele também era palpável? 
Talvez se eu estendesse a mão conseguiria tocá-lo. 
Só um pouco...

Movi um braço para a frente, mas ele não se mexeu. 
Não podiam se mexer, percebi. 

Meus sentidos começaram a se despertar nesse momento. 
Puxei meus braços, mas eles continuaram inertes. 
A cada fez que eu tentava puxá-los, algo áspero fazia meus pulsos arderem. 
Estavam atados.

Meus ouvidos entraram em alerta. 
Pisquei, abrindo metade dos olhos. Minha cabeça começou a rodar. 
A primeira coisa que vi foi o rasgão na meia sobre o meu joelho.

- Veja só quem despertou. Nem precisou de um beijo do seu amor verdadeiro. A Disney é uma farsa.

Não precisei erguer os olhos para saber quem estaria na minha frente. Mesmo a voz não sendo mais familiar para mim, eu a reconheci. 
Aquela foi a primeira vez na minha vida que eu desprezei o sotaque russo. A voz me enojou.

Voltei a fechar os olhos na esperança de conseguir acordar daquele pesadelo. 
Só podia ser irreal.
Meu coração estava disparado em desespero.

Aquilo não era algo que eu achei que pudesse acontecer a mim.
Talvez o meu erro foi esse. Subestimei a minha mortalidade.

- Você não vai conseguir fugir se refugiando na sua mente. Otkroy svoi glaza!¹ Otkroy svoi glaza!

Ergui o rosto encontrando um par de olhos azuis, frios e brilhantes. 
Inflei as narinas e respirei profundamente sentindo uma dor no peito.

Avaliei o meu redor. 
Havia árvores. E eu estava amarrada em uma. Sentada sobre uma lona verde.
Meus braços estavam desnudos sem o casaco. E eu estava com frio.
Com muito frio.
Foi a única coisa que pude constatar.

Algum tipo de luz clareava a parte em que estávamos. A escuridão dominava o resto. Mas não era uma escuridão cega. Eu conseguia visualizar as silhueta das árvores. 
Parecia uma floresta. Ou algo semelhante.

Não estava mais chovendo, mas ainda dava para sentir a umidade da terra molhada em baixo da lona em que eu estava sentada. 
Isso me fez questionar as horas e como eu tinha ido parar ali. 
Forcei a minha mente. 
Lembrava de Gavin. Do nome de Christopher. Lembrava de estar parada no corredor do banheiro do restaurante. Depois disso não lembrava de mais nada.
Agora eram todas essas lembranças que pareciam ser um sonho. 

- O que... - Minha voz saiu rouca e arrastada, como se eu não a usasse há dias. - O que você está fazendo comigo? - Falei, baixo e sem forças.

Voltei a olhar para Iuri. Meu estômago embrulhou apenas diante da sua imagem idêntica a do pai. 

Ele arrastou uma cadeira dobrável sobre as folhas caídas no chão molhado. Sentou-se em minha frente com as pernas cruzadas. 

- Nada do que você não mereça, não se preocupe. - Sorriu. - Vamos conversar um pouco? 

Olhei para o céu tentando adivinhar o horário. A lua estava bem no centro das copas das árvores. 
Quanto tempo eu tinha passado desacordada? 
Não deveria ter sido muito. A noite ainda estava bem escura para estar amanhecendo. 
Tremi de frio. 

- Me custou muitos anos para finalmente ter o meu troféu. Confesso que não foi fácil, mas valeu a demora. Olhe só para você agora. Presa como uma ratinha. 

Virei o rosto pra ele. 
Seus olhos brilhavam com loucura. 
Estreitei os olhos confrontando sua aparência. 
Apesar de escassa, eu tinha lembrança dele. Sua figura não era recorrente, mas eu lembrava de o ter visto algumas vezes.
Ele deveria ser uns cinco anos mais velhos que eu. 
Não sabia se minha falta de informação sobre ele era devido a sua ausência no meu convívio, ou se foi a minha mente que borrou suas memórias. 

Rosas Partidas |Livro 2| [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora