"Te vejo quando a estrada decidir que é a hora de cruzar nossos caminhos de novo"
[Play]
- Não chora - a menininha me pede.
Eu tento sorrir pra ela, mas isso é tão difícil.
- Eu não vou - prometo.
Eu encerro a chamada de Crystal para guardar o celular e me levantar.
A mãe dela termina de comprar as passagens e sai puxando a menininha pela mão, que não tira os olhos tristes de mim.
Eu olho pro origami que ela me deu e percebo que é um barquinho.
Um barquinho de papel.
"Próximo da fila" ouço a moça do guichê chamar.
Olho pra ela e abaixo o rosto pro meu barquinho.
A moça do guichê repuxa os cantos da boca em um sorriso infeliz e suas sobrancelhas estão juntas.
Eu não gosto dessa expressão, já me olharam assim muitas vezes.
Saio da fila arrastando a mala.
Tem um banco vazio próximo do quiosque de chocolates. Eu amo as barras amargas dessa marca. Lembro que minha mãe sempre comprava pra mim quando íamos ao shopping.
Eu fiquei um bom tempo sem comer desse chocolate porque me lembrava dela.
Talvez eu devesse comprar um chocolate hoje.
Deixo a minha mala segurando o lugar no banco e vou até o quiosque com meu barquinho. Peço a maior barra do meu chocolate favorito, exatamente o que minha mãe comprava, e volto pra sentar.
Abro a barra e mordo um pedaço. O gosto é exatamente o mesmo, a textura também. Eu queria poder reviver outras memórias com essa facilidade, sentindo os detalhes.
Vejo que o barquinho agora está um pouco amassado, e as partes frágeis que só contém um lado da folha de papel estão se rasgando.
Eu já vi um barquinho se despedaçar assim. Eu estava nele.
Respirar está um pouco difícil, então eu como mais devagar.
Fico aqui degustando meu chocolate até o final, olhando pessoas passando e pensando na cruz que cada uma deve carregar.
Meu corpo já dói de tanto ficar sentada na mesma posição, então eu levanto e saio puxando a minha mala pela saída.
- Táxi, senhorita? - um moço de camisa social pergunta.
Balanço a cabeça aceitando.
Entro no táxi e o senhor com um barba bem branca me pergunta se eu vou pra casa.
Eu não sei bem o que responder.
O que é casa?
Dou o endereço pra ele e logo estamos partindo.
Há um certo conforto em estar dentro de um táxi. Eu não sei explicar, mas parece ser o lugar que me abriga depois da tempestade.
Tempos e tempos atrás foi um táxi que me levou pra casa depois de passar dias no hospital desidratada de tanto beber água do mar. Meu pai não conseguia dirigir na época, e aquele senhor taxista passou a nos levar pra cima e pra baixo.
Foi um táxi que me levou pro aeroporto há mais de um mês atrás depois que eu já estava desgastada de fazer o que tinha que ser feito.
E agora é um táxi de novo.
- A senhorita quer uma água? - ele me olha pelo retrovisor.
Nego.
O sol está alaranjado. Se fosse um outro dia eu estaria achando incrível. De alguma forma, ainda é.
Minutos depois, pago a corrida e desço no gramado onde cresci. Paro para olhar as formas das plantas no jardim de entrada e vejo que o carro do meu pai já está estacionado.
Final da tarde. Hum.
Arrasto a mala pra dentro pensando no quanto eu quero um café e alguma coisa pra fazer.
- Meu amor? O que houve? - meu pai está sentado na sala tirando os sapatos.
Ele olha pra minha mala e abre a boca pra falar algo, mas desiste no caminho. Seus olhos estão tristes que nem o da menininha no aeroporto, que nem o da moça no guichê também.
Sorrio pra ele e sei que se eu forçar mais um pouco vai ficar cada vez mais fácil.
Eu só preciso de um tempo.
Eu posso ter um tempo?
Posso, universo? Posso ter um tempinho pra andar sem medo de tropeçar?
Sustento o olhar do meu pai sentindo meu rosto ligeiramente dormente. Não sei se isso está certo, mas minhas costas doem um pouco.
Vai ficar tudo bem.
- Só estou cansada. Quer um café? - pergunto deixando a minha mala encostada em um canto.
Ele aceita o café e vou até a cozinha para preparar.
Passo pela geladeira e retiro a nota que deixei lá, amassando ela e jogando na lixeira.
Passo o café, sirvo duas xícaras e coloco uma de frente pra outra na mesa.
O meu pai entra na cozinha, dá um beijo demorado na minha testa e se senta em silêncio comigo.
Seu rosto não tem a mesma expressão de antes e eu fico grata por isso.
Ele estende a mão por cima da mesa e eu coloco a minha sobre a dele.
- Eu te amo - ele diz.
Balanço a cabeça.
- Eu também te amo.
Continuamos o nosso café silencioso e John logo se junta a nós, se servindo também e colocando uma mão sobre as nossas.
Eles se olham e eu fico fascinada com o brilho no rosto de cada um. Palavra nenhuma é necessária, apenas aquele momento infinito que eles compartilham.
Os dois viram os rostos pra mim e eu sinto que algo me aquece e não é o café.
- Eu amo vocês - falo.
Acho que só agora entendo completamente que somos uma família. Nós três.
Olho meus dois pais e me sinto em paz, pelo menos, por saber o que vai acontecer daqui pra frente.
Eles sorriem abertamente.
A Modest venceu, mas eu não perdi.
[...]
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Lover of Mine | Luke Hemmings
FanfictionUm acidente premeditado é uma execução? Eu deixei que ele me usasse desde o dia em que nos conhecemos. Fui um colo para descansar, um segredo pra manter... uma história pra contar. E nunca poderia ser mais. Luke Hemmings foi a minha maior adrenalin...