Cópia cuspida e escarrada.

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Joey

No jardim na frente de casa, a mamãe estava sentada na cadeira de balanço. Ela olhava para as tulipas. Isis, a gata, dormia em seu colo, enquanto era gentilmente acarinhada por ela.

- Mamãe?

Ela olhou para mim, assim que chamei. O sol ainda brilhava, ela ficou ali para poder tomar um pouco de luz.

- Sim?

- Papai está chamando você para fazer o jantar. - falei, escorado na porta. Ela levantou, ainda com Isis nos braços, entrando para dentro de casa.

Isis é uma gata persa majestosa de pelo esvoaçante e que passa pelo menos 80% do dia deitada, cheia de preguiça, no sofá. Francine é o seu oposto, quando me vê fica sempre deitada no chão e pede carinho na barriga. Ela é muito brincalhona, mas às vezes pode ser bastante agressiva, está constantemente à procura de intrusos perigosos que podem invadir nossa casa.

Quando meu pai ainda a levava para passear, um sujeito, uma vez, disse que ele deveria adestrá-la para que "não fosse tão raivosa" com estranhos, pois um dos seus filhos havia se abaixado para fazer carinho nela e ela o mordeu. Papai mandou-o tomar naquele lugar. Ele acha que Francine tem todo o direito de ser raivosa ou não com quem bem entende.

Eu ajudei mamãe a fazer o pão, mergulhando minhas mãos naquele calor resistente e suave. Ela cantarolava enquanto amassava a farinha. Mamãe gosta de cantarolar, especialmente quando faz tricô, por vezes posso ouvir o som tênue da sua voz da sala, cantando Hallelujah.

Nossa casa, muitas vezes, tem bastante música, seja do rádio do papai ou vinda da TV. Papai gostava de escutar o rádio e me ver sair dançando pela casa toda, quando eu era pequenininho. Ele ligava o aparelho e, assim que surgia a voz de Whitney Houston ou qualquer outra cantora famosa, eu começava a remexer os quadris. Meus pais se recostavam na cadeira, rindo e me observando dançar.

Eu colocava minhas mãos nos joelhos e me movia no meu próprio ritmo, confiante em meus movimentos. Hoje não canto nem danço mais, não gosto da minha voz e não me acho bom.

Mamãe costumava cantar para mim, quando eu era um bebê, com os braços em volta do meu corpo roliço e inalando meu cheiro doce de talco. Mamãe contou que eu sofria de muita cólica quando bebê, então ela cantava para mim enquanto esfregava minha barriga. Papai disse que eu era quase insuportável, pois a dor me fazia chorar muito.

Eu era uma criança franzina e com olhos enormes, mamãe diz que eu tinha, e ainda tenho, os maiores olhos que ela já viu. Meu cabelo era comprido e constantemente me confundiam com uma menina. Mesmo assim, papai insistia em não cortá-lo.

- Pra quê? A força de Sansão estava no cabelo, lembra? Não há nada de errado com essa juba aí.

Eu era uma criança considerada bonita pelos mais velhos, mas os mais novos me achavam estranho. Certa vez, um grupo de crianças disse que eu era esquisito demais para brincar e me empurraram com força na areia do parquinho. É por isso que sempre preferi pessoas mais velhas, sempre foram pessoas gentis, mas não tinham aquele tipo de amabilidade que depois de um tempo começa a incomodar.

Eu gostava de uma velhinha das redondezas que me convidava para lanchar e recebia-me com um sorriso afetuoso. Nos dias que meu pai me deixava no parquinho procurando em vão que eu fizesse alguma amizade, fugia de lá e assim que avistava a sua casa, apressava o passo porque lá dentro não me sentia tão só. Ela me mandava sentar, me dava suco de laranja e, por vezes, até me oferecia um pedaço de bolo que tinha acabado de sair do forno. Chamavam ela de senhora Green, por sempre estar usando um vestido verde.

Depois do jantar, eu lavei a louça e senti os braços de mamãe em volta da minha cintura.

- Minha cópia cuspida e escarrada. - murmurou, deitando a cabeça em meu ombro. Ela sempre me chama assim, fala que sou o reflexo dela.

Ele não sabia quantas vezes ela virou as costas ou se levantou de um cochilo e viu seu reflexo no chão causando estragos. Na verdade, deve ter sido frustrante na maior parte do tempo. Eu até fiz cocô no tapete porque estava quente e papai se esqueceu de vestir minha fralda.

O bebê cresceu. Cresceu e cresceu até os dois anos de idade e corria pela casa toda. Ele puxou todos os livros das prateleiras, tirou toda a comida da geladeira, quase pegou o gato da sua mãe e jogou dentro do vaso sanitário. Às vezes, sua mãe dizia: "Esse garoto vai me deixar MALUCA!"

- Eu sei, mãe.

Minha mãe é uma mulher amável, de alma gentil e tem a capacidade de ouvir você falando suas abobrinhas e ainda assim se manter atenta por horas. Ela quase não sorri, mas quando o faz, é suave e acolhedor.

Meu pai é um homem ríspido e envelhecido, que passou tempo demais com cigarros para um dia voltar a parecer saudável. Ele é dependente químico por todas as definições do mundo e uma pessoa amargurada pela mesma definição.

Enquanto meu pai experimentava seu primeiro cigarro, minha mãe estava tendo suas fraldas trocadas ainda.

Nossa casa nunca teve uma atmosfera despreocupada, sempre estava sendo acumulada uma tensão, como se ambos soubessem de algo que eu não sabia. Ou que não me lembrava.

O relacionamento deles faz pouco sentido para mim por vários motivos. O principal deles é o fato de que eu nunca os vi se comportando como se fossem apaixonados. Pelo que sei, eles não têm nada em comum para serem um casal.

Parecia que a cola que mantém as famílias unidas, ou seja, o amor incondicional, nunca havia existido de fato. Uma vez, tentei perguntar como eles haviam se conhecido e papai fechou a cara, como se dissesse: "Isso não é da sua conta".

Eu sempre quis que a minha família fosse mais unida e que as pessoas que mais amo se amassem e amassem umas às outras. Mas, de certo modo, acho que sei que isso é impossível.

Before and After (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora