Não me olhe com esses olhos. Não me toque com essas mãos.

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Natasha

Meu estômago revirou e meus nervos se contraíram quando o cadeado foi trancado. Ele havia chegado em casa.

- Fiz um estrogonofe simples hoje. - eu disse, tentando não parecer carente. - Se já tiver comido, posso guardar para amanhã.

- Não estou com fome. - declarou, ainda sem me olhar diretamente. - Onde está Joey?

- Dormindo. - respondi. Eram mais de nove horas da noite, e só às vezes Joey dorme tarde.

Então Jeff se virou para mim, me encarando com aqueles olhos. Quis gritar: "Não me olhe dessa forma, por favor!", mas as palavras me fugiram da garganta. Tentei esconder o ódio silencioso em meus olhos e contive a súbita vontade de chorar. Acho que esse vazio é pior do que a raiva.

Encolhi diante do seu olhar cobiçado e ele se aproximou de mim, de forma tão oferecida que recuei um pouco. Jeff franziu a testa com o meu pudor, e eu sorri de nervoso.

A sua mão tocou a minha e estremeci pelo contato repentino, o meu tom rosado fazendo um contraste quase gritante com o pouco bronzeado dos dedos, a pele com aspecto queimado judiado do sol quente e dos anos de trabalho duro. Às vezes, acho que as minhas mãos nunca serão piores do que as dele. Nenhuma água e sabão podem lavar o sangue inocente que tem nelas. São ceifadoras de almas e estão marcadas para sempre.

Simploriamente, Jeff agarrou a minha cintura e tentou me beijar. Não deixei.

- O que há com você hoje?

Forcei um sorriso simpático em sua direção e dei umas apalpadinhas em seu casaco, alisando-o calmamente.

- Nada, eu só... gostaria de conversar um pouquinho antes de ir deitar.

- Tem muitas outras coisas melhores para fazer antes de dormir. - advertiu, o tão familiar veneno escorrendo lentamente da sua boca.

Revirei os olhos. Havia o fogo do inferno dentro dessa criatura, e não existia água benta mais sagrada o suficiente para apagá-lo.

- Engraçadinho, você vai tirar o chapéu para mim também, Don Juan?

- Vou acabar tirando mais do que um chapéu desse jeito. - murmurou, com os olhos focados enquanto começava a mexer nos botões da minha blusa.

Parei a sua mão.

- Palhaço, vá para o cirque du soleil. - me exaltei. - Sabe que suas seduções ruins me deixam com dor de cabeça.

- Não é só isso que eu tenho que te deixa com dor de cabeça.

- Não seja bobo. - rosnei. - Esse comportamento ainda vai te levar ao inferno.

- É só um fogo ardente. - contestou. - E prefiro que você me aqueça.

- Sabe que o final será ruim.

- Valerá a pena se o começo for bom. - retorquiu, como se eu o quisesse.

Ele pôs seu queixo em minha cabeça e os braços ásperos me rodearam com calmaria. Seu peito acomodou meu rosto, permitindo que eu sentisse sua respiração se igualar lentamente à minha, e, em seguida, os batimentos do enfeite que ele ousa chamar de coração se harmonizaram.

Era até mesmo relaxante sentir o seu singelo pulsar, mas pelo que me parece, durante todos esses anos, a coisa que batia em seu peito servia apenas para bombear o sangue que restava em suas veias acabadas, por emoções e sentimentos reais, além do ódio, serem desconhecidos pela sua alma amargurada e infeliz.

Before and After (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora