Natasha
Meu coração bateu acelerado ao ter a chave fria em minha palma. Com as mãos trêmulas, abri a porta e guardei-a no bolso do meu avental.
Saí sorrateiramente, para que Joey não percebesse, e tomei o caminho do bosque. Pulei o riacho que havia depois das bétulas e atravessei a clareira, sentindo a grama molhada sob meus pés descalços. Bebi um pouco da água do lago e continuei andando, enquanto os cheirosos pinheiros faziam meu corpo todo vibrar em adoração. Era o paraíso aspirar aquele aroma.
Olhei para trás para ver se estava longe, e não vi mais a casa. Eu passei por uma grande árvore caída e quase escorreguei com o musgo úmido.
Eu me senti livre. Eu era uma fada da floresta.
Um passarinho bateu asas e observei encantada sua pequenina forma se distanciar em um voo gracioso. Porém, ao vê-lo, lágrimas começaram a descer por meu rosto. Meu peito subia e descia pelos soluços e quase não consegui enxergar por um segundo, mas ao fechar os olhos e respirar fundo, me senti renovada.
Parecia que as amarras que ele infligira ao meu corpo estavam lentamente se desfazendo, eu sentia aquela sensação tão esquecida por mim retornar em arrancos fortes. Era... era como quando, nos passeios das férias de verão, íamos à praia e eu me sentava à beira do mar, para sentir o ar salgado nos pulmões e a areia morna nos pés, com as ondas batendo nas pedras e ver as gaivotas voando no céu. E quando eu e meu irmãozinho David, num desses passeios, fomos escondidos para a enseada à meia-noite e tentamos caçar caranguejos com sobra de carne de hambúrguer, e a lua estava tão grande e redonda que parecia algo sobre o qual se poderia sentar.
Pela primeira vez em anos, eu estava completamente feliz.
Livre, eu estou livre.
Então eu corri, corri como o vento pela mata. Posso correr com minhas próprias pernas, posso pular com elas, posso dançar, posso ir para onde eu quiser.
A liberdade transbordava em meu corpo. Hoje, meu corpo é só meu e posso fazer o que quiser. Minha pele quase brilhava. Eu me sentia bem. Eu me sentia até... bonita. Embora eu não fosse perfeita, neste momento, me senti a criatura mais encantadora do mundo aos meus olhos.
Meus pés, ah, meus pés, dançavam com a brisa e encontravam caminho entre as lembranças da juventude. Meus pés nunca esqueceram do que deveriam fazer. Eles estavam apenas esperando que eu voltasse. Eles lembram da força de quando minhas pernas eram levantadas do chão, em como era difícil mantê-las estendidas sem ter um apoio, e da sensação de se sentir única, como pura luz. Todos os talentos desperdiçados ainda estavam ali, não desapareceram mesmo após anos de opressão.
Minha vida não era uma ilusão, nunca foi um sonho. Tudo que vivi foi real. Isso ele não pode tirar de mim, digo, as memórias. Estão marcadas para sempre dentro de mim, nada pode arrancá-las do meu coração. Se nem o tempo foi capaz de apagá-las, nada será. A esperança vive em mim e, enquanto minha história não for contada, esse meu coração queimará.
Meu nome é Natasha Hoffman.
As flores brilhavam à luz do sol, e senti que aplaudiam enquanto eu dançava. Como se atraída pelas cores fortes e com uma bolha de riso se formando dentro de mim, fiquei na ponta dos pés e rodopiei uma, duas, três vezes. Não me importava com a dor. Elas eram minha plateia e eu estava decidida a dançar para elas.
Minhas pernas faziam cortar o vento e os cabelos esvoaçavam com a brisa. Dançava, piruetava, rodopiava em cima da relva florida, e toda vez que, a esvoaçar, meu rosto passava à frente de um espectador imaginário, meus grandes olhos relampejavam.
Simultaneamente ouvi ruidosos aplausos do outro lado. Estremeci, virando para a direção de onde vinha o clamor. A mata se abriu, dando passagem a uma figura.
Era o arqueiro.
Ele ainda batia palmas, e em seu rosto, os lábios se curvavam um pouco para cima, como um resquício de um sorriso, desaparecendo quando nossos olhos se encontraram.
Dei um passo à frente, e ele ainda estava ali, fitando-me com seus olhos profundos, esperando. Pesadas gotas de suor se formaram em meu corpo mas não hesitei, abrindo os lábios e encontrando voz.
- Olá. - eu disse, suavemente, com um sorriso. - Como vai você?
Mas ele não me respondeu, nem parecia me ouvir. Será que é mudo?
- Ei. - tentei outra vez. - Você está bem?
- Estou. - ele sussurrou, balançando a cabeça. A voz era rouca, como se vinda de uma garganta inflamada, ou talvez fosse só por falta de uso, e me lembrou um sapo coaxando.
Não, ele não é mudo.
- Qual seu nome?
Antes que o rapaz pudesse responder, um grito horrível, vindo da garganta mais amargurada, rompeu pela floresta e os pelos da minha carne se arrepiaram. Era o meu nome.
Ele estava chamando meu nome.
Estremeci e me virei para ver, ainda ouvindo os gritos exasperados dele, mas uma mão tomou-me pelo braço e então corremos, desaparecendo juntos no infinito da floresta.
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Before and After (HIATUS)
Fiksi PenggemarJoey tem quatorze anos e mora em uma cabana com seus pais. Tímido e retraído, tem como único amigo, sua fiel cadela, Francine. Ele poderia ser um adolescente comum, mas sua existência esconde um terrível segredo. Sua mãe é Natasha Hoffman, jovem seq...