É à noite que é belo acreditar na Luz.

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Lilian

Letárgica, uma luz incômoda saudou minhas pálpebras, gradualmente abertas tal qual as frestas de uma persiana enquanto os lados da minha cabeça doíam, no entanto, meu sistema rapidamente se encheu de adrenalina pela terceira vez, devido às sensações ligeiramente congeladas do pânico ao constatar a crua realidade:

Eu não estou mais na casa de Jeff.

Na tentativa de me acalmar e enxergar as coisas de forma racional, olhei para meu entorno e uma das coisas que mais me chamou a atenção foi a cama de solteiro, confortável e quentinha, na qual estava colocada, então a janelinha de cortinas brancas e sua vista, percebendo que a luz que havia me acordado vinha na verdade de uma lamparina recém-acesa sobre uma cômoda.

Mas meus olhos aguçados capturaram uma figura negra apostada no canto do quarto, quase surreal, o que me fez estremecer, algo em meus pesadelos infantis que eu possivelmente chamaria de bicho-papão.

Contudo, a figura negra decidiu se aproximar, seus passos tão firmes e lentos mal ecoando sobre o piso, silenciosamente pegando um banquinho e sentando-se ao lado da cama.

- Boa noite. - uma voz seca, indiferente. - Como se sente?

Petrificada demais para dizer qualquer coisa, respirei fundo e contive o pânico, tensa da cabeça aos pés. Porém, a coisa ainda estava ao meu lado, descontraída, oferecendo-me um copo d'água.

- Beba. - ele disse, não uma sugestão, uma ordem. - Deve estar com sede.

Algo dentro de mim me dizia para não beber, pensando em todas as substâncias que podiam haver no líquido transparente. Mas, além de estar com tanta sede que minha língua parecia uma lixa, me sentia tão entorpecida e sonolenta que pude crer que definitivamente já devia estar com alguma droga no organismo, então não me contive e rapidamente peguei o copo e bebi a água de um gole só.

Havia uma seriedade incomum no indivíduo peculiar próximo a mim e, quando ele notou minha aflição, foi com o dedo até a máscara e a deixou cair. Me surpreendi ao ver que a figura estranha, coberta por roupas escuras, na verdade, era só um jovem pálido de íris castanhas, semelhantes às minhas. Deduzi que ele tinha a minha idade, dezesseis ou dezessete anos, não mais que isso.

Quando o medo me permitiu falar, minha voz soou rachada e rouca, quase irreconhecível.

- Onde eu estou?

- Na minha casa. - ele disse, simplesmente. - Não faz ideia do quanto está segura aqui.

Com um ruído de horror, saltei rapidamente da cama. Meu reflexo involuntário me fez gritar por socorro, mas o menino não hesitou em me agarrar, subitamente roubando meu fôlego quando sua mão bruta me cobriu a boca e nariz. Seus olhos selvagens perfuraram minha pele com fervorosa impaciência, talvez não gostando de fazer aquilo.

- Pare. Agora. - ele ordenou, seu rosto se aproximando cada vez mais. - Não gosto de fazer isso. Já te falei que está segura aqui. O que mais você quer que eu te diga?

Sentindo minha pele fervilhar embaixo de sua palma, ele lentamente afrouxou o aperto contra meus lábios, cuidadosamente me testando. Assim, puxou um pacote sob a cama e meus olhos se arregalaram em reconhecimento, tomando a bolsa e constatando dentro dela meu caderno, folheando-o para ter uma visão geral e suspirando por estar intacto.

- Faremos assim: você responde minhas perguntas, e eu responderei às suas, sem interrupções ou gritos, o que acha?

Tentando me acalmar, lentamente assenti para entrar no jogo, exausta em todos os sentidos, embora ainda mantivesse minha cabeça erguida, preparada para qualquer movimento repentino.

- Quero saber de onde conhece Jeff. E, avisá-la, de que se voltar a vê-lo, vai se arrepender.

Seu "você vai se arrepender" enviou arrepios de revolta pela minha espinha, me perguntando o que diabos esse rapaz insignificante e abusado iria fazer comigo, a julgar pelo tom de sua voz, aquilo seria uma ameaça ou um aviso?

- Eu tive problemas com meu irmão e precisei de ajuda. Então Jeff me ajudou. Onde quer ir com isso? Saiba que nossa amizade não é da sua conta.

Ele franziu a testa por um momento antes de seu rosto ser esboçado em um sorriso malicioso, seu olhar fixo em mim pingando zombaria, como se eu fosse uma idiota com quem ele tivesse que lidar, o que me deixou farta de sua arrogância. Era quase impossível controlar o ódio em meus olhos. Todo esse comportamento prepotente me lembrou de Adrien.

- Amizade?

- É, amizade! - afirmei, irritada. - Qual é o seu problema? Por que acha que eu estaria na casa dele? Você não sabe nada sobre nós dois! Jeff não é outra coisa senão meu amigo e parece um bom homem, ao contrário de você, que é apenas um menino implicante e mal educado!

- Trate de se controlar. - ele ordenou, mais uma vez. - Não seja burra. Tenho pensado em uma maneira de convencê-la de que as coisas não dariam certo, mas não passa de uma idiota que se recusa a ver os perigos pelos quais passou. Você dormiu bastante, seu "amigo" provavelmente te deu alguma droga para te fazer apagar. Quem sabe o que mais ele fez ou poderia ter feito com você, homens como ele não têm princípios.

- Se é tão seguro de si para dizer com tanta certeza que sou uma estúpida, deveria saber que o que está fazendo comigo é crime. Agora, com licença, quero ir embora, preciso ir para casa.

De passos objetivos, pulei da cama. O estranho se pôs de pé e me seguiu, acelerando seus pés silenciosos em direção à saída. Angustiada, dei um passo para o lado e fui bloqueada, sendo ele uma grande muralha me cercando.

Como é difícil ignorar um mar de cores escuras, fixei suas roupas. Sua densa capa preta foi o que mais me chamou a atenção, talvez trabalhada à mão, que pendia dos ombros tal um traje medieval. Cara a cara, provavelmente parecíamos o lado escuro e claro de um biscoito Oreo.

- Está de noite, Lilian, se for agora vai encontrar coisas piores que o seu irmão. - alertou, pouco amistoso.

- Se algo acontecer comigo, saiba que você e seus responsáveis responderão criminalmente! E quem você pensa que é? Para achar que pode me manter presa! Você é ridículo!

Dito isso, sua capa preta acabou por não ser nada comparado ao rubor furioso que tomou conta de suas bochechas pálidas, coléricas.

- Quantos culpados de sequestro e assassinato você já viu respondendo criminalmente? E coitadinha, posso imaginar seus pais cuidando tanto de você que você tem que pedir ajuda a um velho asqueroso.

Por um segundo, fiquei sem palavras, não entendendo como alguém podia ser tão insensível e, involuntariamente, deixei seu sarcasmo cruel penetrar em mim, trazendo lágrimas aos meus olhos, meu peito ficou submerso por tamanha humilhação.

- Você não entende! - afirmei, minha voz saindo sofrida. - Não é tão fácil, não é porque vivemos em uma sociedade que significa que as pessoas têm compaixão pelos outros. Poucas pessoas estão interessadas em ouvir o que os outros têm a dizer! Não sabe pelo que passei! Não pode ficar me julgando como se me conhecesse!

Mas minhas lágrimas não o afetaram, repetindo friamente enquanto me olhava com firmeza:

- Pare de chorar. - disse ele, enquanto verificava o relógio cuco na parede. Eram oito horas da noite. - Chamarei minha mãe para que ela possa cuidar de você. Agora, volte para a cama. Não vou falar de novo.

O rapaz não hesitou em sair do quarto ao terminar sua sentença. Desta forma, meu corpo entrou em colapso na cama, lágrimas fluindo em cascatas através do meu rosto à medida que meus ombros involuntariamente estremeciam em espasmos, sob a dolorosa movimentação da minha respiração.

Lá fora, porém, houve um chirriar e olhei pela janela para ver uma velha coruja empoleirada em um galho, fragmentos de névoa subiam do solo úmido e as estrelas cintilavam solitárias no céu, e me maravilhei com a beleza da escuridão, em uma noite sem lua.

Pelo menos a noite está bonita.

Before and After (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora