Cada um tem o passado fechado em si, tal como um livro que se conhece de cor.

320 34 49
                                    

Natasha

Perto do galinheiro, observava Tobias cuidar da sua horta, no terreno atrás da casa, plantando sementes e bulbos. O cheiro da terra remexida me fez sentir falta do meu jardim.

Meus dias consistem em acordar para alimentar galinhas e porcos, colher os ovos não chocados dos galinheiros e depois tirar um pouco de leite de Babá, a velha cabra da pradaria, para o café de Tobias. Por volta das onze horas já estou em frente ao fogão preparando a comida de Nate. Depois do almoço, lavo a louça suja e cuido da casa. Aos domingos, lavo roupas e estendo-as no varal para secar. Quando todas as minhas tarefas estiverem concluídas, se não houver outro empecilho, posso passar meu tempo livre passeando com Nate.

Na minha opinião, sou uma boa dona de casa; "administrando" o galinheiro, preparando as refeições e costurando roupas que precisam de reparos.

Não sei o que Tobias pensa, ele não costuma falar muito. Para ser mais exata, eu e ele. Nós não falamos. Apenas trocamos olhares e quando precisa de alguma coisa, Nate é quem diz por ele.

Não é de admirar que esse senhor seja meio... esquisito. Tobias parece acostumado a viver entre a natureza e a não falar muito. Não sei se árvores são boa companhia; porém, se forem, ele certamente está muito bem acompanhado. Aqui é pacifico, não há o barulho nem a poluição da cidade. Acho que eu também gostaria, se não fosse por, bem, não preciso entrar em detalhes...

Tobias passou por mim e entrou na casa, lavando as mãos sujas da terra na pia da cozinha. Ele logo sentou à mesa e pude considerá-lo à vontade, observando-o comer em silêncio.

Apaziguados os primeiros roncos do estômago, ele fingiu se envergonhar, vendo restar apenas os biscoitos.

- Não vai comer, senhorita?

- Não, obrigada.

Então os olhos dele prenderam-se em mim, descendo para me avaliar.

Mamãe me disse que homens veem mulheres como se estivessem em um frigorífico: pedaços de nádegas, olhos claros, cabelos longos, seios fartos. Para eles, somos só pedaços.

Por tudo que vivi, não posso duvidar.

- O que houve com a sua mão?

Apavorada, olhei para minha mão, apoiada sobre a mesa, vendo que ele se referia as minhas cicatrizes.

- Ah, isso foi... - mordi os lábios. - Foi ele quem fez isso.

Tobias deixou de comer os biscoitos caseiros, parecendo parar para escutar com atenção.

- Ele pegou minha mão e a pressionou contra o fogo ardente do fogão. Por isso ela é assim hoje.

Seus olhos desceram novamente a dita cuja, inclinando-se para tocá-la e observá-la de perto. O quê...?

- Foram queimaduras de segundo ou terceiro grau?

Encolhi, afastei-a dele e cobri com a manga da minha cacharrel cinza.

- Não sei, só sei que deixaram minha mão assim. - respondi finalmente.

- Acho que foram de segundo, terceiro grau é mais severo.

- Como sabe disso?

- Porque vivia me queimando quando criança.

- Por que? Era muito... desastrado?

- Mais ou menos. Na maioria das vezes eu que quis me queimar.

Arregalei os olhos, assustada. Quem iria querer se queimar? Dizem que a dor do fogo é a pior que existe.

Before and After (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora