Deus está dentro de nós. Nas igrejas, as pessoas.

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Joey

Fechando e guardando minha mochila surrada, me olhei no espelho ao meu lado. Era a primeira vez em muito tempo que eu parecia muito bem arrumado. Meu cabelo, que não via shampoo havia mais de uma semana, antes oleoso e infestado de caspa, agora brilhava de tão limpo. Meu rosto pálido parecia mais suave, mais rosado, e as sardas que uma vez se esconderam na sujeira do meu rosto, me sorriram no reflexo.

Eu me senti tão diferente. Eu entendia que havia tantos espaços dentro de mim, pedaços que se preenchiam e mudavam ao longo do tempo, mesmo que eu não tivesse ideia do que fazer, para onde ir, onde tudo iria acabar. A confusão em minha cabeça era tão grande que eu nem sabia se um dia iria entender como parei nesta circunstância. É como acompanhar um filme pela TV: o protagonista gritando com seu pai e fugindo de casa, vagando pelas ruas perigosas e roubando comida para sobreviver. Era quase inacreditável que tudo isso tivesse sido feito por mim e algo ainda me dissesse: "Isso é apenas o começo, Joseph."

Depois de pronto, acariciei minhas amigas peludas e desci rapidamente as escadas do meu quarto, tentando não cair, e segui o corredor até o salão da igreja, decorada e preparada especialmente para o jantar beneficente.

Famílias de desabrigados, entre outras pessoas sem teto, já faziam fila na entrada da igreja, até o refeitório. Não querendo ser esganado, preparei meu prato com pouca comida. Cada uma das famílias se sentou à uma mesa e eu olhei ao redor, deslocado, procurando um espaço, para me deparar apenas com um assento vazio voltado para uma mulher.

- Boa noite. - eu disse, tentando falar com confiança, mas minha voz soou como um guincho agudo.

A moça em questão sorriu para mim, como se eu fosse bem-vindo, e seu rosto e atitude me fizeram recuar. Ela era bonita e era diferente de outras pessoas que eu conheci, ou garotas; ela não era como a Hannah ou a Molly, não era como mamãe, parecia algo muito mais interessante. Ela cheirava a história, parecia ter uma alma vivida. Algo nela me fazia perder o fôlego; seu olhar penetrante, seus olhos de gato, sua aura magnética.

- Boa noite, como você se chama? - ela perguntou, em uma voz calma e doce.

- Joey. Me chamo Joey.

Ela riu.

- Nome bonito, é um apelido? Pode me chamar de Maya.

Maya.

- Seu nome também é bonito.

- Obrigada, eu sei. - Maya arrumou os cabelos. - Então... Você faz programa?

Franzi a testa.

- Programa? Tipo... tipo de TV?

Ela sorriu alegremente e me deu um tapinha no ombro, aparentemente sem entender minha pergunta.

- Você é engraçado... mas que tipo de programa você faz?

- Perdão... e-eu não faço a mínima ideia do que você está falando, moça.

- Estou falando de prostituição. - ela disse, direta.

De repente, deixei cair os talheres do prato e minhas bochechas queimaram, chocado demais para pensar em dizer alguma coisa.

- Você tem vergonha do seu trabalho? Eu também tinha, mas dinheiro não cai do céu.

- E-eu não faço isso, moça. Eu nem...

Ela franziu a testa, confusa.

- Não?

- Não!

- Oh... Desculpe, eu pensei que...

- Isso é pecado. - murmurei. - Não pode fazer isso.

Before and After (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora