A alma não tem segredo que o comportamento não revele.

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Joey

Fazia quase uma semana que mamãe não volta para casa.

Ás vezes penso que é Isis quem sente mais saudades dela, por miar demais enquanto anda pela casa, procurando mamãe. Chega até ser bem incômodo, fico com pena da bichinha. Tem medo de ficar sozinha e o mundo inteiro a assusta quando mamãe não está por perto. Fiz um "covil" de uma caixa de papelão e coloquei lá vestidos usados, para que se sentisse segura. Funciona, mas o cheiro não é suficiente, ela está carente de afeto. Eu também estou, e evito reclamar para não irritar mais papai. Francine esfrega a cabeça em Isis para confortá-la e fazê-la parar de chorar. É uma ação muito doce.

Por falar em Francine, foi quem me acordou de manhã, lambendo minha mão e fazendo barulhos esquisitos, tipo quando ela rosna, mas não de uma forma ameaçadora, e sim pidona.

- Pare, Francine. - resmunguei, sonolento. - Deixa eu dormir, por favor.

A bichinha não desistiu, aumentando os barulhos da garganta, circulando e lambendo o meu rosto. Era como se ela estivesse dizendo: "Levanta folgado, quero minha ração."

Ela pode não saber falar, mas sei exatamente o que ela quer dizer.

Abri os olhos com letargia, um bocejo profundo saindo da boca, colocando com esforço as pernas para fora da cama. Meu corpo estava tão cansado que parecia ter sido atropelado por um caminhão.

- Bom dia, fedorenta. - eu disse, dando tapinhas em seu bumbum. - Tá com fome?

Francine começou a puxar a barra da minha calça e tentou me arrastar para fora do quarto.

- Eu já vou. - murmurei. - Esfomeada.

Saí do meu quarto e estranhei em ver papai já acordado, deitado no sofá com um dos livros de mamãe no colo, o cigarro ainda aceso entre os dedos.

- Bom dia, filhote. - ele disse. - Dormiu bem?

Respondi com um "Melhor impossível, velhote.", e fui direto para o banheiro escovar os dentes. Passei a mão no meu reflexo para limpar o espelho embaçado e reparei pela primeira vez que olheiras começavam a se formar embaixo dos meus olhos.

- Droga.

Papai geralmente dorme quando volto para casa das compras, e, se não está, chega tarde da noite e quebrando garrafas no chão, praguejando para si mesmo e chamando mamãe, achando que ela ainda está em casa. Não dou um pio e finjo que estou dormindo para que não chame meu nome, apertando Francine para também ficar quieta, e acabamos os dois por adormecer em desassossego.

Nesse curto período de tempo, precisei passar duas noites acordado limpando toda a bagunça que ele fez.

Liguei a torneira e lavei meu rosto com as mãos, depois escovei os dentes. Não me acho muito atraente, mas, como dizia mamãe, mesmo que eu fique com os dentes podres nunca vou estar mais feio que papai, principalmente após bebedeira.

Deus que me perdoe por pensar assim.

Terminada a higiene, coloquei a ração de Francine e Isis, indo para frente do fogão preparar ovos mexidos.

- Não, obrigado. - papai murmurou, empurrando o prato assim que o servi. - Não tô com fome.

Não importa que ainda tenha alguém para cozinhar, ele se recusa a comer e sempre tem cinzas nos seus restos de comida, além de passar noites virando vodca como se fosse suco. As garrafas de cerveja desaparecem rapidamente debaixo da pia e são substituídas com a mesma rapidez.

Eu peguei o hábito de observar papai fumar cigarros até meu peito parecer cheio de fuligem e entupido. Uma vez, quando saía para fazer compras, ele olhou para mim e murmurou: "Sinto falta de sua mãe. É difícil sem ela."

Before and After (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora