Segredos não são segredos, são armas, coisas que você guarda até precisar delas.

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Jeff

Thomas sorria conversando com sua esposa e filhos, a postura descontraída expondo que não havia preocupações em sua cabeça. Nem sequer o estresse de um longo dia de trabalho.

Abigail cuidou de fazer o prato de seu marido rapidamente, acompanhado de um copo cheio de suco de laranja. Para agradecer, Thomas deu alguns cheiros em seu pescoço e sentou à mesa para jantar.

Um casal muito feliz, ambos bastante despreocupados. Os olhos enrugados dela estavam fixos nos dele, como se ele fosse a coisa mais importante do mundo.

Para ele, o que fez é só o papel de um macho alfa. Arranje uma fêmea para acasalar e ter filhos, e, se a fêmea for embora, vá atrás das que sobraram. Ou dá única que sobrou.

Mas Thomas nunca contaria. Ele até condenaria os que admitiriam em voz alta, mesmo que todos fossem reflexos dele mesmo.

No que ele trabalha? Suponho que seja algo mais do que mero trabalho de escritório, talvez um empreiteiro ou operário de construção. É o pai de família. O conhecido cidadão de bem.

Perguntas sobre como foram o seu dia choviam na mesa, sorrisos singulares e risos ingênuos, aquela amabilidade cansativa que as famílias felizes têm.

Nada de nomes, certo? Nem de trabalho. Nada sobre as chatices da vida. Agora vamos falar de coisas reais.

A esposa de Thomas, Abigail, aparentava ser louca por ele, pelas suas justificações e demonstrações de carinho. Mas seus olhos me faziam pensar que algo mais profundo acontecia em sua cabeça. Percebi o cheiro de álcool em seu hálito enquanto falava comigo na porta. Deve ter lavado a boca após cada taça de vinho que bebeu na ausência dele, para que não sentisse o cheiro. Minhas suspeitas foram confirmadas ao analisar os olhares dele quando ela ultrapassou o limite de duas taças. Provavelmente, não gosta que ela beba. Hoje, porém, Abigail não resistiu.

Talvez Abigail saiba de alguma coisa e o vinho a faça esquecer. Até os monstros sentem a pressão de viver uma mentira e precisam de alguém que conheça e aceite o seu verdadeiro "eu".

Joshua, o jovem deficiente físico, sobrava na conversa, o semblante quieto e apaziguado dizia muito sobre ele, pequeno, inofensivo. Não faria mal a uma mosca. De todos, ele é o mais sensível da família, se ressente da sua condição. Pobre bicho do mato.

Agora Deborah, a protagonista dessa família disfuncional, é uma coisa magrinha, calma, miserável, seus cachos escuros caem sobre os ombros dobrados em decepção, melancólica; mesmo se alguém olhasse para ela, não seria para ela. Ninguém realmente a vê.

Thomas com pressa encheu o prato da filha com frango e repreendeu-a por não comer o suficiente.

- Não estou com fome. - Deborah disse, evitando olhar e a empurrando.

- Tá com fome, sim. Agora come.

- Vai cortar a carne dela também, Thomas? Deixe ela, a menina não está com fome.

- Ei, pode parar. Ela tem que comer, veio para cá para jantar. - Thomas advertiu, se inclinando para oferecer as batatas para ela.

Eles se entreolharam por um segundo, e, relutante, Deborah aceitou a travessa, desviando os olhos para os talheres. Ele só fez isso para mostrar quem é que manda.

Deborah enchia o prato e engolia cada colherada. A comida entalava em sua garganta, a bílis implorava para sair. O fato de ser obrigada a engolir seu vômito doía. Ele lhe dava náuseas.

Deus e monstro. Tudo em um. E ela tem que o adorar.

Os comentários descontraídos de Thomas eram frequentes, cheio de um bom humor irritante e inconveniente. O tio do pavê ou pra comer.

Before and After (HIATUS)Onde histórias criam vida. Descubra agora