Before and After (HIATUS)

Oh! Que formosa aparência tem a falsidade!

Lilian

A Sonata de Chopin, Valsa n.º 19 em lá menor, ecoou na sala de visitas vitoriana da minha mãe. Sentada em uma de suas poltronas ornamentadas, sem a presença de uma única partícula de poeira, escutei o riso teatral dos adultos ali presentes convergir com a melodia insípida. Ouvir música clássica se tornou maçante. No passado, eu era apática a elas. No entanto, ouvi-las, ininterruptamente, durante as reuniões de família, que participo por aparências, é extremamente irritante. Passei a detestar Beethoven e seu piano devido à obsessão de mamãe por músicas clássicas. São as mesmas músicas, sempre, até em melodias diferentes. Ao pensar nisso, me segurei para não quebrar a bendita vitrola.

Minha mãe, baba-ovo como sempre, sorriu simpática e perguntou se meu tio Derek gostaria de beber, sugestão esta que foi educadamente recusada, tendo em vista que ele veio de carro para nossa casa e na companhia da tia Lauren, minha prima Emily e o mais novo membro da família, meu priminho de cinco meses, Samuel.

Sou incrivelmente sortuda por vir de uma típica família-americana-modelo: conservadora, culta, rica, sempre mantendo um ar de bondade e gentileza. Vivemos em um casarão vitoriano branco de dez quartos com uma entrada circular, herdada por meu pai de meu bisavô, no quintal do qual reside um imenso carvalho, em uma área afluente de Denver, onde os vizinhos se cumprimentam, as crianças são bem comportadas e todos mantém seus cães de raça sob controle; sim, eu diria que sou feliz, mas não totalmente.

Meu pai é um cirurgião plástico, um homem ocupado que vê centenas de corpos nus todos os dias e é o responsável por transformar mulheres inseguras com seu físico naquilo que o padrão de beleza chama de belo e aceitável. Ele troca de carro todos os anos e é ele quem me faz sentir confortável e segura, a pessoa em quem penso quando atendo as exigências de minha mãe para que eu sorria enquanto minha prima Emily tagarelava sobre os preparativos para sua festa de quinze anos e meu tio Derek reclamava sobre como tudo era caro e impreciso.

- Você sabe que ainda estamos fazendo quinze pares, a maioria deles são amigos de Emily, só falta um casal e eu pensei... e se Lilian e Adrien participassem?

- Oh! Eles adorariam, não adorariam? - mamãe avisou, olhando para nós e eu soube que era forçada a concordar.

Adrien não teve problemas em aceitar, por motivos óbvios, e sorriu para mim, um sorriso que eu sabia não ser gentil.

Adrien.

Comecei a odiar Adrien desde o ensino fundamental, quando ele era o menino considerado o anjo da classe porque não se metia em problemas e tinha um bom boletim escolar. Os professores adoravam-no e diziam que seria um bom rapaz quando crescesse, devido seus modos e organização; os adjetivos mais usados ​​por todos ao falar sobre Adrien eram "único" e "educado", e minha mãe se perguntava de onde vinha tamanha compostura, limpeza e independência. Mas acho que mudariam de ideia se vissem o que ele fez com nossa calopsita, deixando-a congelar até a morte no meio do inverno, até seu corpo estar tão duro quanto uma pedra pela grossa camada de gelo que se formou durante a geada de fevereiro. E esse era um dos itens da sua lista de perversidades, afinal, mesmo os rostos mais angelicais podem cometer crueldades. Não é de admirar que as crianças sempre o acharam estranho na infância, ele podia ser assustador mesmo sorrindo e certamente causava pesadelos em seus coleguinhas. Porque Adrien de fato é esquisito. Não só por dentro, mas também por fora. Ele é como um palhaço feioso, daqueles que criancinhas choram ao verem na rua. Uma vez eu disse que, caso fizessem um filme novo do livro de Stephen King, It a coisa, ele seria perfeito para interpretar Pennywise. Tem um rosto digno de um filme de terror. Os olhos e a testa compõem a maior parte do seu rosto. Com aquela testa de outdoor, só uma pancada quebraria uma mesa fácil.