Conte cada pedacinho, passarinho.
Nate
Há dezesseis anos da época em que se passa nossa história, uma criatura viva foi deixada perto do bosque de árvores retorcidas e galhos escuros.
A pequena criatura que dormia serena enrolada em seu cobertor, naquela manhã de sábado de 1994, parecia instigar no mais alto grau a curiosidade do grupo considerável que se juntou em torno do seu cesto.
- O que diabos é isso? - perguntou Timothy, olhando para a coberta rechonchuda na grama.
Ele remexeu com o dedo na coberta e descobriu o rosto da criança que dormia.
- É um macaco que não deu certo. - declarou Jack, ao lado de Tim, com seu rosto se torcendo em uma careta.
- Não é tão feio assim. - acrescentou Tim. - Olhe, veja como é rosado e gorducho.
- Ele seria ótimo para o almoço. - comentou Jack, mostrando seu par de dentes. - Dizem que os bebês são mais saborosos, principalmente os não batizados.
- Acho que esse não é para comer.
Via-se uma floresta de cabelos negros, dois olhos igualmente escuros e uma boca que berrava incessantemente. Tudo isso se agitava no cobertor, para grande espanto da multidão.
- Para de gritar, filhote de cabra!
- Bota fogo nessa merda. - sugeriu Jack.
- Tem que dar o peito para ela, chora porque está com fome.
- Ah, não. Aquele filho da puta pensa que somos babás. Não vou cuidar de catarrento nenhum.
A multidão se abriu, dando passagem a uma figura sombria e carrancuda. Era papai.
- Você não precisa cuidar de ninguém. - rosnou Tobias. - Eu faço isso. Fico com a criança.
- Vai dar o peito para ela, por acaso? Desde quando tem tetas?
Papai revirou os olhos, pegou nos braços da cesta e levou-a. O público o acompanhou com assombro.
- Nathaniel. - meu pai disse naquela noite, os olhos brilhantes, manchas da minha vérnix nas bochechas dele. Eu estava chorando. - Que nome bonito.
Ele beijou minha cabeça sem parar.
- Por favor, não me deixe nunca, Nathaniel.
Nate. Meu nome é Nate. Nathaniel.
No inverno o bebê engatinhava no tapete, escalava exaustivamente o banco e o pai tremia de medo de que se aproximasse do fogo. No verão, o bebê corria pelo jardim arrancando as cebolas novas. O pai passava as noites acordado quando o bebê sofria de vômitos e diarreia, avisando-o que não se pode roer as unhas porque os micróbios entram no buraco.
- Nathaniel, não roa as unhas, senão voltará mais cedo para o Céu.
O bebê brincava com borboletas, com flores, olhava com curiosidade a vegetação e pegava lagartas, observava o bicho peludo que serpenteava por sua palma e lhe fazia cócegas.
- Não mexa tanto nessas lagartas, elas podem queimar você.
O bebê via os lobos enormes, os cavalos imensos, o rebanho gigante que corria pela estrada, e chorava quando o pai não deixava que os acarinhasse, porque eram muito perigosos. O pai se preocupava com o bebê, não deixando que ele fosse muito além da casa nos passeios. O pai leu Peter Pan para o bebê, e jurou que quando o viu rir pela primeira vez, foi como se o riso dele houvesse quebrado em milhares de pedaços e todos eles saíram pulando. Peter Pan não era somente uma história para dormir. Aquilo, de fato, foi o início das fadas para ele.
O bebê falava sozinho, e muitas vezes o pai acordava de madrugada com ele sussurrando coisas, os olhos grudados na parede, o corpinho rechonchudo sentado no chão. Alice.
Ele conversava com Alice.
Alice estava em tudo, nos desenhos, nas brincadeiras, principalmente nos sonhos. Alice era a amiga imaginária do bebê. Uma menininha branca de olhos azuis, magrinha, com uma coroa de cabelos loiros, tão clara, branca e cegante que poderia jurar que era uma auréola.
Aos sete anos, o pai ensinou o bebê a atirar, e o presenteou com um arco.
- Puxe a corda até ficar perto da bochecha, mantenha os olhos abertos e... atire.
Para o bebê, passeios a cavalo e atirar arco e flecha eram suas atividades favoritas no mundo. Ele gostava de ficar sozinho na floresta, especialmente no final do outono, quando tudo é exuberante e dourado, as folhas são da cor do fogo e o cheiro é sobre coisas que se misturam com a terra. Ver corvos voando de galho em galho ao mesmo tempo e ouvir o canto dos pássaros. O cheiro do musgo frio e o silêncio da mata: tudo o que ouvia era o estalar constante dos cascos e a respiração do animal.
- Vê se não morre. - o pai dizia, antes do bebê sair. - Toma cuidado, Nathaniel.
Às vezes, um homem parava e me observava cavalgando, seus olhos brilhando como se eu o lembrasse de memórias felizes do passado. Aquele homem é mais alto do que ele pensa que é, dois metros de ameaça e escuridão. Ele era intimidador. Um gigante quebrado e mal colado.
Ele é um estranho, que de certeza, viveu muito tempo sozinho, sempre com aquele carro, realmente nunca falou com ninguém, mas cada lugar tem um estranho. E a esposa dele, uma mulher nova, na faixa dos vinte e oito anos. Ela é loira e é bonita. Eles tem um menino, de quatorze anos, uma cadela enorme e um gato peludo. Vejo como aquele garoto é quieto, educado em casa, como eu, embora seja simpático, não parece ter amigos.
O menino é uma coisa de olhos grandes e assustados, pálido como um vampiro e cabelos tão dourados quanto as pétalas de um girassol. O personagem medonho dessa família reservada. Não há segredos, nem com todos vivendo tão próximos.
Lembro de observá-lo deitar na relva e deixar os raios de sol banharem seu corpo, enquanto a cadela também se esquentava e ficava do lado, exigindo atenção. O pai esperava no escuro cortando lenha e o filho aproveitava para tomar o sol da manhã.
Então a mãe chamava-os da varanda, avisando que precisava de ajuda em qualquer assunto da cabana. Os cabelos loiros amarrados em um coque frouxo e o avental branco voando com o vento, as mãos... mãos tão pequenas, fazendo o gesto para que eles se aproximassem. As bochechas rosadas refletindo as luzes e tirando a minha concentração.
Via como aquele homem suspirava quando ela passava perto dele, o desejo ardente em seus olhos. Noite e dia gritava seu nome pelos cantos da casa: "Natasha, faz a sopa" "Lava a louça" "Passa a roupa" Não parava um só momento. E ainda exigia "Mais depressa".
Quase sempre ela balançava na varanda, tecendo enquanto cantarolava baixinho, docemente, ou cuidava do jardim. Tinha lindas margaridas e algumas tulipas. Pés de aloe vera cresciam em potes gastos. Oh, Deus, dava-lhe todos os vasos do mundo se possível.
Mãe.
Mamãe é silenciosa e macia, pálida, papai, quando ele pergunta por ela, ele a chama de Gasparzinho, já vi papai se derreter um pouco, só um pouco, com o sorriso dela.
Agora minha casa está repleta de sua presença, o que torna o ambiente mais alegre. Meu pai costuma trabalhar o dia todo e só volta tarde da noite. Mamãe me entende e adora meus bolos de chocolate, e eu me imagino sendo capaz de dar a ela meus bolos de chocolate todos os dias, pelo restante de sua vida, enchendo uma casa inteirinha com eles. Às vezes é estranho, porque gostava de passar o tempo sozinho, e agora não quero ficar longe dela.
A verdade é que nunca quero que minha mãe vá embora. Não quero ser como costumava ser de novo. Mamãe chora ao pensar em Joey. Às vezes penso nele, embora o que sinto se pareça mais com raiva do que qualquer coisa, não sinto saudade, como posso sentir falta do que nunca tive?
Ela não me contou, mas sei, posso ver, que tem medo de alguma coisa. Tem medo de que ele não acredite nela.
Garoto idiota.
Triste é como pensava que me sentia ao lembrar de Alice, porém, nem isso era verdade, porque não acho que exista uma palavra que possa definir toda essa sensação de inquietude que me preenche. O que quero mesmo dizer é "Meu coração está rasgado em tiras e cheio de palavras que não tenho mais."
Alice.
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Before and After (HIATUS)
FanfictionJoey tem quatorze anos e mora em uma cabana com seus pais. Tímido e retraído, tem como único amigo, sua fiel cadela, Francine. Ele poderia ser um adolescente comum, mas sua existência esconde um terrível segredo. Sua mãe é Natasha Hoffman, jovem seq...