Joey
À noite, enquanto os ruídos da cidade anunciavam o início do período de descanso, o súbito aparecimento do ogro abrindo as cortinas da barraca me fez pular do colchão esfarrapado e encarar silenciosamente a carranca perplexa rastejar em sua face, no momento em que ele encontrou uma massa de baunilha coberta de açúcar de confeiteiro em sua mesa.
Um bolo.
Apesar dessa situação, criei minha própria rotina produtiva. Na maior parte do tempo cuido da limpeza, desinfeto os restos dos utensílios da tenda, lustro minuciosamente os talheres com um pano úmido, encho baldes com água da chuva para lavar a sujeira dos lençóis do ogro, separo e guardo suas roupas gastas e cato os restos de comida enlatada e, se possível, recolhendo-os em um saco de lixo para posterior reciclagem.
Em outras palavras, faço o meu melhor com os poucos produtos de limpeza disponíveis, tanto quanto possível para fazer uma casa decente deste cenário deprimente.
Em contraste com o ogro, que quase nunca está por perto, desaparece sem deixar rastro e quase sempre retorna ao amanhecer, visivelmente alterado e aos solavancos, além de suas mudanças repentinas de humor. Nos dias bons, ele é um cara amigável e brincalhão, já nos dias ruins as coisas ficam mais complicadas e ele é fechado e mal-humorado, se irritando facilmente com besteiras e atirando coisas no beco enquanto grita obscenidades.
Toda a minha vida vi ataques assim, mas vindos de outra pessoa, e admito que às vezes isso me assusta porque algo dentro de mim me diz que ele não está totalmente ciente de suas ações, ao contrário de papai. No final, fugir de meu pai me fez acabar em um lugar não tão diferente, só em mais uma caverna, desta vez nas garras de uma fera que eu não sabia domar.
Ele cerrou os olhos e cruzou os braços, olhando-me com gravidade.
- De onde tirou isso?
Um sorriso nervoso se espalhou pelo meu rosto no início, e eu me amaldiçoei internamente por parecer tão obviamente suspeito. Suspirando profundamente, envolvi meus braços em volta do meu presente e tentei sorrir, lembrando ansioso meu plano.
- V-você sabe... - gaguejei, criando coragem. - E-estou aqui há algum tempo e quero agradecer por me receber, e-então arrumei esse bolo.
Ele cerrou os olhos antes de examinar o dito cujo e me perguntar sobre os antecedentes criminais do meu ato.
- Onde tu roubou isso? - questionou, indo direto ao ponto.
- Não faça perguntas desnecessárias.
Com vergonha de olhá-lo nos olhos, me ocupei em pôr a mesa para o jantar. O ogro descartou a embalagem de plástico e pegou a primeira fatia. No entanto, dado o tamanho e a textura, notei que o bolo tinha sido feito com pouca farinha e era apenas uma coisinha triste e seca, que enrugou o nariz do ogro em sinal de desaprovação.
- Puta merda. - ele chiou, com uma cara nada boa, e eu estremeci. - Bolo seco do caralho. Isso parece uma bucha, devia ter roubado coisa melhor, foi muito difícil pegar essa porcaria?
- Eu... eu coloquei dentro da blusa de frio e tentei sair sem ninguém ver, mas o moço da loja percebeu.
- E aí?
- Eu corri, para não ser pego.
- Não ia dar em nada. - ele disse, com a boca entupida do tal bolo seco. - Tu é um branquelo xexelento, tudo que tu tinha que fazer era chorar e dizer que não ia roubar mais. Com essa cara de filhinho de mamãe, ficar com dó é dois palito. Todo mundo tem pena de branquelo.
- Não sei se as coisas seriam assim.
Ele bufou, em aborrecimento.
- Deixa de ser idiota. Se tu fosse um preto de cabelo ruim que nem eu, eles iam te comer no soco. - ele declarou, amargura franca em sua voz. - Poderia até ser morto, e tudo isso por causa de um bolo seco.
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Before and After (HIATUS)
FanfictionJoey tem quatorze anos e mora em uma cabana com seus pais. Tímido e retraído, tem como único amigo, sua fiel cadela, Francine. Ele poderia ser um adolescente comum, mas sua existência esconde um terrível segredo. Sua mãe é Natasha Hoffman, jovem seq...