Prólogo

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Inglaterra, 1840

Reino de Áquila

O sangue escarlate da Coroa Inglesa estava escorrendo pelo piso molhado do pátio do castelo.

Uma tragédia.

O povo se calara; não havia voz que gritasse mais alto do que a da mulher ajoelhada que berrava aos quatro ventos o desespero que lhe esmagava as entranhas. Ela tremia e arfava, engasgando-se com as lágrimas.

Quem seria capaz de prever algo assim? Ninguém. Ninguém seria.

A tristeza fizera com que o povo cessasse as agonias. Os idosos repetiam uma reza, as mulheres enxugavam os rostos empoeirados de carvão com a barra do avental, os homens retiravam suas cartolas da cabeça e abaixavam o olhar; até os bêbados saiam das tabernas e, mesmo trôpegos, lamentavam o ocorrido.

Todos boquiabertos, assustados.

Áquila não existia mais.

Eles morreram! Eles morreram! – A mulher chorosa esbravejava, desafiando o céu a emitir um trovão mais potente que a dor reverberante de sua voz.

Ela esticou as mãos ossudas para apalpar a roupa do que estava mais perto dela, tentando trazê-lo para si, desacreditada de que aquilo fosse real.
Não aceitava tê-los perdido. Não saberia sobreviver assim. Nunca quis que acabasse desta forma.

A coroa caiu de sua cabeça, escorregou pelos fios despenteados de seu cabelo e tilintou ao beijar o chão, fazendo um cristal ou outro se desprender.

Jóias, dinheiro, poder...

Isso não valia de nada. Ninguém os traria de volta.

Voltou então a chorar, lavando o rosto com lágrimas de desamparo e angústia.

Não pôde fazer nada para evitar, por mais que tenha tentado!

E como tentou! Deus sabia como ela tinha tentado.

Como viverei sem você? Não suportarei! Leve-me, bom Deus! Leve-me! ─ Lamuriou-se, beijando a face sem vida do homem que puxou para si.

O outro corpo foi rodeado por curiosos. As pessoas não acreditavam. Nunca poderiam acreditar no que seus olhos viam. A multidão negava-se a conceber a idéia de que um monarca tão amado estivesse morto.

Ao longe, cambaleando por sombras, lavando-se com a água fria que caia do céu obscuro, uma silhueta bem vestida deixava cair uma espada.

O povo, inconformado, começava a proferir suposições, casando suas idéias, unindo-as às palavras disformes dos lacaios que assistiram a tudo.
Portanto, já sabiam. Eles sabiam do que havia acontecido.

Tem que morrer! ─ Um dizia.

Cortem-lhe a cabeça! ─ Exigiu outrem.

A guarda real, aparentemente voltando de seu torpor, começou a dispersar as pessoas, usando de lanças afiadas e escudos com o brasão do reino.
Eles pediam respeito à mulher desesperada.

A população já não acreditava em respeito. Não acreditava que a conversa pudesse resolver algo.

Estavam mortos, ora essa! – Rebatiam aos soldados.

E mortos precisam de justiça. Desde os comerciantes até os mais abastados da sociedade, clamavam por uma solução.
A forca parecia o mais adequado.

Já aqueles mais radicais, imploravam que entregassem quem o fez para o povo. O povo daria um jeito. Arrancariam sua cabeça, abrir-lhe-iam a barriga e arrancariam os órgãos, entregando o que restasse aos cães raivosos; depois de enfiarem a cabeça numa lança, na intenção de expô-la na entrada da cidade.

A Face do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora