VIII

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Madame Soraya Moreau tinha as sobrancelhas perfeitamente desenhadas, tão escuras e arqueadas que empurravam para fora o tom azul acentuado de seus olhos; Ela era senhorita na casa dos trinta anos, nunca quis casar, tampouco lhe interessava a idéia, por isso se viu curiosa pelo motivo que levou uma jovem na flor da idade a aceitar tão facilmente os mandos e desmandos da rainha, sendo que nem daquela sociedade era.

Para Madame Soraya, uma francesa fajuta que puxava a letra "r" no intuito de reforçar essa falsa identidade, a mocinha recém-chegada ao castelo, estava se deixando persuadir pela monarca e, claramente, logo se arrependeria.

Miss Karol, na concepção dela, deveria fugir o mais rápido que pudesse e tentar traçar outro caminho.
Soraya sempre imaginou que a vida no castelo deveria ser um inferno – assim como no casamento. Por isso, mesmo respeitando a rainha e tendo certo apreço por ela, escolheu esquivar-se de todos os bailes e jantares reais. Preferia ir às festas no salão público, dançar até doer os pés.

─ Sejam bem-vindas ao meu ateliê, senhorrritas. ─ Madame disse, assim que Miss Karol e Nelly passaram pela porta da frente.

A rainha havia acordado indisposta e achou por bem que a menina fosse com a Aia tirar as medidas para os vestidos que a mesma havia encomendado. Particularmente, Miss Karol adorou isso. Com Nelly ela se sentia muito bem, ademais, imaginava como deveria ser esquisito andar pelas ruas de Áquila ao lado da rainha.

─ Bons dias, madame! ─ Nelly falou sorrindo.

─ Como vai? ─ Miss Karol indagou, costurando um sorriso convincente no rosto.

Para a mocinha que mal tinha chegado à cidade, foi interessante cruzar os muros bem vigiados de Áquila.
Uma carruagem elegante as estava esperando do lado de fora das enormes portas do castelo e a moça se viu sentindo um frio na barriga, uma sensação de que as coisas realmente estavam mudando.

Quando alcançaram as ruas pavimentadas com paralelepípedos enormes e a carruagem começou a chacoalhar, Miss Karol esticou o pescoço, olhando sorrateiramente pela janelinha o movimento.

Muitas pessoas iam e vinham nas calçadas, a sua maioria eram mulheres, mas mesmo ocupadas com seus compromissos, todas – absolutamente todas – pararam quando a carruagem passou, além de que algumas esperavam nos estabelecimentos próximos ao ateliê de Madame Soraya.
Estavam extremamente curiosos para ver a nova hospede do castelo.

Por sorte Nelly era muito esperta e havia levado um lenço dentro de sua bolsinha, então o entregou a Miss Karol, que logo cobriu o rosto com ele, tentando, desta forma, amenizar o desconforto que todos aqueles olhares causavam.

Ela não queria se sentir um mero espetáculo para aquela sociedade hipócrita.

─ A senhorrrita já tem alguma idéia do modelo que preferrre? ─A modista quis saber enquanto espalhava tecidos de seda por sobre o balcão de vidro.

Miss Karol olhou em volta, embasbacada com tantos vestidos pendurados, além de alguns manequins que trajavam lindos modelos cheios de fitas, laços e cores exuberantes; havia também carretéis de linhas sendo usados nas decorações.

O tom vermelho imperava, deixando tudo mais intimo, além dos tapetes fofinhos e do veludo nos estofados das poltronas e dos dois divãs que ficavam nos cantos das paredes, próximos aos espelhos.

─ Desejo algo simples... ─ Karol falou, passando a ponta dos dedos pelos tecidos. ─ Não sei exatamente como escolher essas coisas, meus vestidos sempre foram feitos pela minha mãe. Nunca tive escolhas, entende?

Madame Soraya sorriu, fitando aqueles olhos verdes que lhe olhavam de volta.

Por um milésimo de segundos, ambas sentiram um filete de interesse mútuo, uma sensação peculiar que Soraya não sentia há muito tempo, entretanto, obrigou-se a voltar sua atenção para o que interessava, deixando de lado um pensamento torto que passou por sua cabeça.

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