LVIII

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Ruggero sentiu que sua consciência vagueava por labirintos de rosas e lagos cristalinos. Podia sentir-se no Bosque das Sombras, rodeado pelos braços da mulher que amava, inalando o perfume de seus cabelos compridos e lisos, sempre presos por alguma fita. E, por ventura, era capaz de imaginá-la brincando com o pingente de lua do colar que sempre carregava no pescoço.

O príncipe se sentia livre. Livre como nunca se sentiu antes.

Entretanto algo o fez tombar para o lado, arrancando-o dos devaneios, fazendo despontar uma dor forte na barriga.
Ele grunhiu por entre os dentes e foi acometido por um calor severo que roçava contra seu rosto. O rapaz não precisou de muito tempo para perceber que aquele calor vinha da pelugem macia que alisava sua face.

Alisava não, empurrava-o.

Com todas as forças que tinha, Ruggero abriu os olhos, ficando cara a cara com o focinho negro de Trovão.
O cavalo tentava empurrá-lo, como se pressentisse o perigo de estar ali.

Eles possuíam uma forte ligação e o alazão o amava. Amava como só um coração puro de animal podia amar.

Trovão relinchou, como se tivesse pressa.

─ Meu amigo... ─ As palavras saiam emboladas da boca do príncipe. Trovão relinchou de novo, afastando-se ligeiramente, agitando-se sobre as patas que antes estavam dobradas para que pudesse chegar perto de seu dono que permanecia no chão da floresta. ─ Já amanheceu... Deus... Eu preciso sair daqui.

Ruggero não sabia, mas havia sido tomado por muita sorte, pois apesar de sua condição precária, tinha passado despercebido diante dos perigos que cercavam toda a redondeza, inclusive dos animais peçonhentos que cercavam o local. Naquela noite, os lobos não passaram por ali.

Mas mesmo que tivessem passado, Trovão conseguiu encontrá-lo tão logo Theodoro partiu.

O cavalo havia se assustado com os caçadores e saiu correndo, mas não foi longe.
Ele não iria a lugar algum sem seu amigo.

Ruggero por sua parte tentava manter-se são. As dores despontavam de todos os lados. Era até difícil se recordar da noite passada. Tudo ainda parecia um pesadelo, uma realidade que foi criada pelo pior dos demônios. Era de adoecer só de imaginar tudo o que Theodoro dissera.

Ele ainda se negava a acreditar, no entanto pensou na mulher que amava e no filho.

Só Deus sabia como lhe apavorava a idéia de perdê-los.

Então, lutando contra as próprias dores e feridas, o príncipe começou a se arrastar, sentando-se da melhor forma que podia, sendo acariciado pelo sol fraco que crescia no horizonte, mesmo que nuvens pesadas de chuva já se formassem, anunciando a tempestade que cairia.

Trovão voltou a relinchar. O cavalo pressentia a agonia que pairava por Áquila.

─ Essas cordas... ─ Ruggero remexia os braços presos para trás. ─ Essas malditas cordas!

─ Foi a minha mãe que me deu. ─ Ela tinha dito enquanto lhe passava a adaga com todo o cuidado. ─ É uma coisa da nossa família, entende? É como um amuleto da sorte.

─ É realmente esplêndida, anjo.

─ É nossa agora. Bom, neste momento é sua. Quero que a use sem pensar duas vezes.

─ Não acho que será necessário, mas...

─ Espero que não seja realmente necessário, porém não hesite em aceitá-la. Dê-me essa paz, porque se for totalmente desprotegido, ficarei desolada.

A adaga. A adaga parecia pegar fogo atrás de suas costas, presa ao cós da calça.

Ruggero quase chorou de alivio, percebendo que Karol sempre esteve certa.

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