XII

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Miss Karol sentou na beirada de sua cama, estava cansada.

Não encontrara Nelly em parte alguma do palácio – considerando que ela não foi muito longe, justamente por medo de perde-se. Entretanto, a criada parecia ter evaporado. Só depois de alguns minutos ficou sabendo que ela havia ido até a feira com a madrinha comprar algumas coisas, então, com receio de ficar perdida, a senhorita retornou ao quarto, deixando para depois a visita ao salão do baile.

Enquanto descansava, Miss Karol se viu deixando a mente vagar, mais especificamente até o Bosque das Sombras.
Sonhara a noite inteira com aquele lugar, com a neblina, o barulho das aves, o som das folhas sendo agitadas pelo vento, o rio correndo tranquilo por entre as pedras lisas, a brisa gélida e... ele.

O príncipe Ruggero.

Não desejava pensar nele e nem no modo como a fazia sentir, mas era impossível ignorar aqueles olhos topazianos tão claros que pareciam possuir um sol particular, muito embora quanto mais os encarasse, e mais mergulhasse naquela imensidão castanha, mais tinha a sensação de que estava afundando numa escuridão infinita.

Era incapaz de esquecê-lo. E essa incapacidade lhe fervia as entranhas.

Ficou de pé, transtornada.

─ Não era para ser assim. ─ Murmurou para si mesma, caminhando para lá e para cá. ─ Eu não posso. Eu não posso. Não posso...

Ela não precisa de uma lente de aumento para lê-lo perfeitamente, ficava claro que sentia algo, que também renegava esse sentimento; e por mais controverso que fosse, ela detestava que ele lutasse contra isso.
Mas, em contrapartida, ela mesma não estava fazendo isso?

Parou em frente ao espelho e fitou os próprios olhos, vislumbrando um brilho opaco cruzar seu olhar.

Não se perca, filha. Não se esqueça de quem você é...

A voz de sua mãe ecoava dentro de sua cabeça tomando proporções inumanas.

Sentiu o corpo todo se arrepiar.

Bateu com a palma da mão contra o móvel que sustentava o espelho e o ardor se espalhou por sua pele pálida, desencadeando uma dor leve, que não era nada perto da ânsia desgostosa que ia corroendo seu coração.

Bufou.

Belo conselho, mamãe. Pensou.

Deu as costas e caminhou até a janela, mas a neblina não lhe permitia ver quase nada, então foi até a porta entreaberta e saiu para o corredor, ainda remoendo alguns pensamentos que se embolavam como um carretel de linhas monocromáticas.

Não se deu conta de onde seus pés a levavam até que parou de frente a uma porta que estava ligeiramente aberta; olhou por cima dos ombros, mas toda a extensão do corredor permanecia vazia, sendo iluminada apenas por alguns castiçais, já que a luz natural quase não existia aquele dia; o mundo ficava cinza rapidamente ali.

Miss Karol tomou uma boa porção de ar, então apoiou as mãos na porta, abrindo-a mais.

Adentrou o quarto sorrateiramente, sendo abraçada por um cheiro amadeirado misturado a hortelã; o cheiro dele.

Apertou os lábios.

Queria voltar, mas o corpo não lhe obedecia.

Da primeira vez em que estivera ali foi tudo muito inesperado, quase havia sido pega, escutou coisas que não saíram de sua mente e se manteve aflita em todos os segundos até que pôde sair, entretanto, desta vez, sentia-se muito bem. Protegida até.

A Face do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora