XLIV

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─ A face do anjo? ─ Nelly indagou após reler pela terceira vez a carta que fizera a rainha passar a noite inteira acordada pensando.

─ É o pseudônimo dessa pessoa. ─ A outra explicou ainda andando de um lado para o outro, nervosa. ─ Aparentemente se chama assim para se firmar ainda mais como uma sombra minha, já que o povo me denomina assim, com ironia, imagino.

─ Eu não entendo... Quem mais sabia do seu segredo?

─ Esse é o problema: eu não faço a menor idéia!

Nelly deixou a carta sobre a cama com todo o cuidado, ainda impactada não só pelo conteúdo, mas pela delicadeza com que aquelas palavras foram escritas, tão desenhadas e alinhadas que lhe chamavam a atenção.

Justamente por não saber ler muita coisa, a Aia admirava uma bela escrita, entretanto naquele momento se via assombrada também.

Ela olhou para Karol.

─ Senhora, eu sei que contou a mim, que confiou em minha amizade e eu posso lhe jurar que jamais faria algo desse tipo. E-eu...

─ Você? ─ Guinchou a rainha, olhando-a. ─Nelly, pelo amor de Deus! Eu sei que você jamais faria algo assim. Eu vejo a bondade em você e, sinceramente, quem quer que tenha feito isso possui uma malícia intrínseca e uma maldade apurada. Parece que se diverte...

Apertando o lábio inferior com os dentes, Nelly contornou a cama e foi até a porta, abrindo-a e checando o corredor, então fechou novamente.
Ela abanou a cabeça.

─ Será que alguém nos ouviu aquele dia?

Karol cruzou os braços.

─ Você acha que a pessoa está aqui dentro? Vivendo no castelo?

─ Eu não sei, mas de que outra forma saberia de tudo aquilo?

─ Mas ai é que está... ─ Acenando para que a criada esperasse, Karol foi buscar a carta e passou os olhos por algumas linhas, então assentiu para si mesma. ─ Aqui não fala sobre o plano da minha mãe. Se essa pessoa soubesse, teria dito, afinal falamos sobre tudo isso aquele dia.

Nelly franziu o cenho, mais confusa ainda.

─ Então a pessoa só sabe do seu passado, mas não do que motivo que a trouxe aqui?

─ Aparentemente, sim. ─ Bufou. ─ A não ser que esteja esperando um momento certo para trazer isso à tona. E se for assim, Nelly, é pior do que eu imaginava.

─ Mas isso não faz sentido!

─ Justamente. ─ Karol exalou pela boca. Estava exausta de pensar, de sentir medo, de fingir. ─ Talvez seja a hora de falar tudo, porque se alguém descobrir através de uma carta dessas... Afinal uma já chegou até o Ravi.

─ O rei recebeu uma também?

─ Sim. Ontem. Foi por causa de uma carta dessa que ele quase cometeu uma loucura comigo e com o Ruggero...

Nelly coçou a cabeça, ainda com o cenho franzido.

─ Eu custo a entender o que uma pessoa ganharia proporcionando essa espécie de terror. É doentio!

─ As pessoas sabem ser doentias.

─ Mas... Como a outra carta chegou até o rei?

Karol abanou a cabeça.

─ Eu falei com o Bernard hoje bem cedo e ele disse que foi ele mesmo que trouxe, após um menino de recados deixar na entrada do castelo.

─ Um menino de recados? Da cidade? Oh céus! Então essa pessoa vive na cidade?

A Face do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora