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Meses antes...

Uma águia passou voando por cima da construção mais imponente do lado sul da Inglaterra.

Abaixo daquele céu sem nuvens donde despencava gotas finas de chuva, os irmãos Pasquarelli se revezavam em um jogo nada empolgante de xadrez. Apenas um deles apreciava esse hobby; já o outro, não podia odiá-lo mais.

─ Isto é entediante! ─ Um dos jovens príncipes ralhou, derrubando uma peça do tabuleiro.

O outro, achando graça, decretou a vitória novamente. Era a terceira partida ganha.

─ Falas isso justamente por que és um péssimo perdedor, meu caro irmão.

─ Não vejo assim...

─ Digas o que quiseres, Ruggero, mas nós dois sabemos quem é o melhor.

─Tu? ─ O mais velho apontou para o irmão, trajando um carregado tom zombeteiro. ─ Não seja tão vanglorioso, Ravi. Isso nem combina com sua pose de homem humilde.

─ Sua imprudência com as palavras só reforçam a minha vitória. Diga-me, o que apostamos mesmo? Acho que esqueci.

Era uma mera provocação. Ravi jamais se esquecia de algo. Estava apenas se aproveitando um pouco mais de seu feito. Ele sabia que assim que Ruggero lhe ganhasse em algo, seria implacável, como sempre.

Ruggero, por sua vez, levantou-se da confortável poltrona e caminhou pela sala de costura, aproveitando que a mãe não estava ali para fuçar nos livros dela, desfazendo-se do tempo enquanto articulava uma saída para a promessa que tinha feito ao irmão, caso viesse a perder.

Entretanto, para o duplo azar do jovem príncipe, Ravi poderia esperar pelo tempo que fosse necessário. Sentia-se muito contente.

─ Por acaso não há nenhuma reunião importante a qual devas comparecer? Se eu fosse você, tomaria cuidado. Talvez o papai nomeie outro homem para seu lugar. ─ Ruggero gracejou.

─ Nosso pai sabe que não estou me esquivando de nenhum dever. Aliás, ele ficou pensativo sobre a sua ausência na última reunião. Deveria comparecer, ao menos uma vez.

O homem que ainda fuçava nos livros estalou a língua com desdém. Não conseguia levar tudo isso a sério. Nunca conseguiu.

─ Não nasci para ocupar um trono e me preocupar com demandas cansativas.

─ Nascestes então para ocupar-se de damas da noite e taças abarrotadas de vinho?

Ruggero arqueou uma sobrancelha e fitou o irmão de soslaio.

─ Não achas mais tentador?

─ O que eu acho você já sabe, porém nunca se importou.

─ Que bom que sabe. ─ Rebateu, orgulhoso de si. Deixou de lado os livros e foi até a janela, abrindo as grossas cortinas verdes e espiando o pátio. ─ Então, Ravi, que tal uma partida de desempate?

─ Não empatamos. Você perdeu. ─ O rapaz relembrou, rindo do irmão.

Ele já esperava essa reação de seu companheiro de vida. Sabia muito bem tudo o que se passava pela cabeça de Ruggero.

─ Isso depende do ponto de vista. ─ Endossou o primeiro, voltando à mesa do jogo. ─ Da última vez em que jogamos, eu ganhei.

─ Da última vez em que jogamos xadrez, eu ganhei.

─ Estou falando do dia em que fomos caçar. Lembra-se que matei um lindo cervo? Já você...

─ Não era uma competição, Ruggero!

A Face do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora