IV

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─ Há mais algum compromisso enfadonho para hoje, Theodoro? ─ Ruggero perguntou, empurrando para longe o tinteiro, após assinar diversos pergaminhos reais. ─ Sinto-me exausto!

Seu cortesão e amigo, umedeceu os lábios e assentiu, apanhando os pergaminhos para levá-los até o gabinete do rei.

─ Acho que por hoje é só isso, Vossa Alteza.

─ Já era hora! ─ O príncipe pôs-se de pé, esticando as pernas. ─ Sabes o que decidiu finalmente minha mãe sobre a andarilha?

─ Disseram que ela ficará pelo menos até o começo da temporada. Sua Majestade está disposta a casá-la.

Para Ruggero aquilo soou engraçado.

─ Vê como minha amada mãe deseja casar até os desconhecidos? Pobre moça.

Theodoro riu.

─ Acredito que qualquer senhorita ficaria lisonjeada de ser apresentada à sociedade pelas mãos da rainha.

─ Ah sim! A vaidade feminina. Claro.

O gabinete onde estavam era, normalmente, dividido entre os dois irmãos. Entretanto, apenas Ravi fazia mais uso dele, por isso enquanto caminhava pelo cômodo, Ruggero esboçava algumas caretas para os livros dispostos nas quilométricas estantes.

Decidiu então deixar isso para lá e foi até a janela, empurrando a cortina.

Do lado de fora alguns guardas faziam suas rondas, enquanto uma chuva fraquinha caia.

─ Quando eu era criança, odiava os dias de chuva... ─ Comentou vagamente, observando os pingos que deslizavam pelos vidros perfeitamente limpos.

Theodoro hesitou um pouco.

Ruggero não era de ficar falando sobre o passado, principalmente da infância, então o rapaz viu-se sem muita reação.

─ Não lhe apetece nem um pouco?

─ Não. ─ O príncipe soltou a cortina e ela foi deslizando, tampando o vidro. ─ Não gosto desse frio, nem da chuva. De sombras já bastam as que eu carrego no peito.

Ele foi se virando e sorrindo, indo contra a melancolia de suas palavras.

Às vezes Theodoro não o compreendia.

─ Vossa Alteza está bem?

─ Estou apenas... nostálgico. ─ Assentiu para o cortesão, caminhando até o piano de calda que estava perfeitamente acomodado rente a outra janela, sendo contornado pela luz fraca que adentrava pelas cortinas finas. ─ Você nunca quis aprender a tocar, Theodoro.

O rapaz aquiesceu.

─ Isso não é para mim, Alteza.

Ruggero ergueu a tampa do piado e pousou os dedos sobre algumas teclas, preenchendo a sala com uma melodia simbólica.

─ A música é para todos igualmente. ─ Retrucou ao cortesão. ─ De música eu sempre gostei. Por mim, esse palácio viveria cheio de música, de pessoas dançando...

─ Bebendo...

O príncipe riu e concordou.

─ Ás vezes eu acho, Theodoro, que as pessoas levam a vida muito a sério.

─ Já você... ─ Ravi deixou as palavras no ar, adentrando ao gabinete.

Theodoro fez uma curta reverência e pediu licença, deixando os dois irmãos a sós.

─ Vejo que conseguiu o que queria, irmão.

─ Graças a você, Ruggero. Muito obrigado.

O primogênito da rainha deixou a tampa do piano se fechar, alardeando por todos os lados um som disforme.

A Face do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora