XVI

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Theodoro estava fugindo da rainha e de uma das velhas encalhadas que a monarca colocou em seu caminho; o rapaz não podia estar mais desesperado. O príncipe mais velho o tinha alertado sobre o perigo eminente que era esse baile, mas o cortesão não imaginou que a Sua Majestade fosse querer casá-lo com a primeira mulher que aparecesse, ainda mais uma que tinha idade para ser sua mãe.

Com o coração batendo rápido no peito pelos passos acelerados que precisou dar para fugir, o rapaz adentrou a cozinha, soltando o ar com força.

Nelly, que ia entrando pela porta dos fundos, assustou-se com a aparição repentina do homem e soltou um grito agudo, depois tampou a boca, envergonhada.
Theo acenou para que ela se mantivesse calada, então espiou o corredor, mas aparentemente ninguém tinha ouvido.

Por sorte todos os criados estavam perambulando pelo palácio, bisbilhotando o baile ou servindo, portanto, a cozinha era o lugar mais seguro.

─ Jesus Cristo! – Ele exclamou contornando a enorme mesa de madeira que ocupava o centro do cômodo. ─ Você está bem, Nelly?

Lentamente a criada retirou as mãos da boca e foi tentando acalmar as batidas insanas do coração.

Não era exatamente o susto que a deixava tão nervosa e desnorteada, mas sim ele.
O cortesão do príncipe parecia ainda mais bonito com aquele terno branco, tão imponente e elegante com os cabelos penteados para trás, levemente modelado com algum produto que não domava de forma muito eficiente os cachos negros que iam se embolando aqui e ali, tentando fugir daquela ordem toda.

Assim como os cabelos, os olhos escuros de Theo também eram selvagens, atentos e estavam pousados em Nelly.

─ Theodoro. ─ Foi o que ela conseguiu pronunciar sem parecer tão afetada, mesmo que suas bochechas estivessem ardendo de tão coradas que estavam.

─ Perdão, mas a rainha está sendo implacável comigo! ─ O cortesão bufou. ─ Ora, Nelly! Fale alguma coisa. Por acaso a assustei tanto assim?

A Aia ficou balançando a cabeça e seus pesados cabelos negros foram se desprendendo do coque desajeitado que ela tinha feito enquanto limpava algumas coisas; com o coração martelando no peito, ela se deu conta de que havia um brilho genuíno no olhar dele.

Theodoro, por outro lado, tentava desvendá-la. Apesar de muito jovem ainda, Nelly era belíssima para ele, tão quieta, mas ao mesmo tempo com olhos tão tempestivos, sempre atenta e, principalmente, capaz de deixá-lo nervoso.

Ele não saberia explicar o motivo de tanta inquietação no peito, mas não ousou ir contra isso.

Conheciam-se desde sempre e Nelly sempre lhe acolheu muito bem. Não era que ele não fosse bem tratado pelos outros – porque sim, ele era – mas a menina lhe passava tranqüilidade em muitos sentidos e apesar de se falarem pouco, Theodoro realmente gostava da companhia dela, portanto, fugir da rainha foi uma ótima idéia no fim das contas.

─ O... O Ca... O café! ─ Nelly guinchou e saiu correndo até o fogão para desligar a água fervente que começava a subir e ultrapassar as bordas da panela, espalhando-se por todos os lados. ─ Ah meu Deus! ─ Ela chiou só de imaginar a bronca que levaria da madrinha pela sujeira que estava fazendo.

Com certo trejeito e dominada pelo nervosismo, Nelly pegou no cabo do bule, mas por estar todo molhado de água quente, sua palma foi queimada e ela precisou soltá-lo, gritando de dor enquanto segurava o pulso e chacoalhava a mão.

Assustado, Theo apanhou um pano que estava em cima da pia e o mergulhou dentro de um balde, então foi até Nelly, envolvendo a mão dela com o tecido frio, abusando da gentileza e delicadeza para não machucá-la ainda mais.

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