LVII

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Ravi entregou um copo de uísque a Theodoro. Eles estavam no gabinete do rei, escondidos das outras pessoas, longe dos ouvidos curiosos dos criados. Theodoro deixou o copo de vidro em cima da mesa e cruzou as pernas, olhando para o rei, buscando em si todas as emoções que não tinha para fingir um sofrimento que não era capaz de sentir.

─ Não vai beber? O álcool ajuda a apaziguar a mágoa.

Theodoro suspirou pesadamente.

─ Não consigo beber nada. Ravi, a minha vida perdeu o sentido. Não sei o que fazer. ─ Mentiu.

O rei se sentou em sua cadeira confortável e o encarou por cima da borda do copo que segurava, então esboçou um breve sorriso.

─ Sabe... Eu sempre vi algo em você. Algo que destoava daquela pose de perfeição de sempre. Algo que... Ainda me faz duvidar absolutamente de você.

─ Ter o pai assassinado por alguém que eu tinha total confiança não é motivo o suficiente para me tirar dos eixos? Acha que tenho estômago para olhar na cara do Príncipe? Ravi, por Deus! Era meu pai! ─ Ficou de pé para enfatizar sua indignação, fitando o homem do outro lado da mesa com a melhor expressão de repulsa àquela situação. ─ Dediquei anos de minha vida à monarquia, sempre cego pela gratidão e o amor que nutri principalmente pelo Ruggero, então tente se colocar em meu lugar e imagine a imensidão de minha decepção e dor!

Ravi entornou o resto do líquido e deixou que a quentura da bebida descesse por sua garganta.

Com os olhos verdes repousados sobre Theodoro, o rei respirou bem fundo.

─ Sua dor não me passa credibilidade, mas a sua raiva é um perfeito combustível para os meus planos.

─ Planos?

─ Matar o Ruggero e ir embora da Inglaterra com a minha esposa. ─ Ficou de pé também e pousou as palmas das mãos sobre o tampo da mesa, curvando-se ligeiramente para frente. ─ Karol não vai ficar com o meu irmão, tampouco com a coroa. Ela me pagará por todo o mal que me fez, pela desgraça que propagou em minha família. Irei levá-la comigo para longe daqui, nem que seja enfiada dentro de um baú selado. Não importa. Ela não permanecerá em Áquila.

A sobrancelha do cortesão se ergueu.

─ Quer matá-la ou ainda é capaz de amá-la mesmo depois de tudo?

Ravi passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os.

─ Eu ainda não sei o que farei quando estivermos longe... Às vezes desejo matá-la com as minhas mãos, mas os sentimentos... Os malditos sentimentos me encurralam, porque a amo. Infelizmente a amo.

─ E quanto ao Ruggero? Mataria seu próprio irmão?

Havia uma centelha de fogo nos olhos do monarca.

─ Ele não hesitou em me trair, em jogar no lixo nosso parentesco e zombar de mim. Porque eu o perdoaria? Ademais, eu ia deixá-los juntos, ia embora para que fossem felizes, dei a chance de se decidirem antes de pedi-la em casamento, mas eles mentiram para mim. E já estou farto de mentiras!

Lutando contra si para não demonstrar sua felicidade com aquelas palavras, Theodoro virou de costas e caminhou até a porta, cruzando os braços contra o peito largo, refletindo internamente como faria para trazer à tona a maior dose de ódio do rei.

Afinal Ruggero já deveria estar morto àquela altura, portanto para não sujar as mãos o cortesão precisaria que Ravi matasse a esposa. Depois, com a rainha morta, seria um prazer para o rapaz acabar com todos os outros...

Principalmente com o antigo rei que foi o maior culpado por acobertar a morte de seu pai como se não fosse nada.

Bruno sempre tratou as dores do povo com um lixo. Ele nunca foi um monarca de verdade, ao menos era isso que Theodoro pensava e acreditava.

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