A Face do Anjo

LX

Capítulo Final de A Face do Anjo

─ Ruggero... ─ A voz de Karol nada mais era do que um suspiro que se perdia facilmente a cada batida descompassada de seu coração.

A mulher estava dividida entre o alívio de vê-lo vivo e o desespero de presenciar uma pequena parte de sua briga com o irmão.
Àquela altura, Karol já sabia que Ravi seria capaz de tudo para feri-lo, quiçá matá-lo.

Não havia mais amor entre eles.

Nelly ia trazê-la à realidade quando viu algo que fez sua voz calar. Por um segundo a marquesa achou que estivesse em um sono profundo rodeado de tragédias, mas não era. Era a sua dura verdade que ia serpenteando por todos os lados, abafando o grito rouco que ameaçou escapar de sua garganta seca e arranhada.

Ela ergueu a barra do vestido e desceu depressa, quase caindo, mas alcançando o corpo desfalecido do homem que amava.
O homem que rompeu seu coração, porém que ainda era dono de cada pedacinho que se estilhaçara.

Theodoro. Seu Theodoro.

Para sempre.

─ Não, não, não, não, não... ─ Choramingou, encostando a testa na dele, constatando a frieza da pele do rapaz. ─ Não. Não. Não faça isso, Theodoro. Não faça isso. Acorde! Diga que tudo foi uma mentira. Diga! Eu estou mandando!

Ela puxava a camisa dele, pouco se importando com o sangue que se impregnava em sua palma.

─ Nelly... ─ Karol ficou de cócoras e apoiou as mãos nos ombros da amiga, tentando tirá-la dali ou levá-la para a sanidade. ─ Eu sinto muito. Eu realmente sinto muito, mas... Ele se foi. Por favor, você precisa raciocinar. Eu sei que dói, minha amiga. Eu sei. Mas ele não é mais o seu Theodoro de antes. Não é ele.

─ É ele, Karol. É ele. ─ Soluçou, empurrando uma mecha do cabelo, sujando seu rosto imaculado com rastros de sangue dele. ─ Ele vai ficar bem, não é? Eu vou fazer um curativo... E-eu sei que... ele vai ficar bem. Theo? Theo, acorda.

Karol fechou os olhos por alguns segundos. A dor de Nelly doía ainda mais nela.

─ Minha Nelly... Olhe para mim, por favor.

─ Ele não era ruim... ─ Soluçou novamente. ─ Ele disse que me amava. Nós dançamos juntos, ele cantarolou pra mim... Ele cuidou de mim, Karol. Eu sei que ele é bom. Eu sei que ele é bom, meu Deus!

─ O amor dele era real, Nelly. Eu sei que era. ─ A rainha fitou o rosto dele e apertou os lábios. Vê-lo daquela forma a machucava também. Ainda parecia o Theodoro de antes. ─ Mas... Mas você não pode se esquecer de tudo o que ele disse, de tudo o que fez. Por favor, pense. Por mim, Nelly. Pelo bebê que carrego. Pense! Guarde consigo o amor que ele te ofereceu, mas não a imagem que ele forjou. Por favor.

Outro soluço escapou da garganta da menina fazendo-a estremecer.

No fundo, Nelly sabia que Karol tinha razão, mas era doloroso demais aceitar. Uma parte de sua mente ainda gritava que podia haver uma saída. Um perdão. Um remorso vindo dele ou, talvez, o amor que sentia por ela poderia curar o ódio que habitava nele. Nelly acreditava. Acreditava com todas as forças que tinha.

Entretanto, seus olhos marejados fitaram a arma ao lado da mão dele, indicando que seu último ato não foi pensar nela, mas sim em cometer alguma ação que feriria alguém. Como se em seu último suspiro, a vingança prevalecesse.

Aquele pensamento a deixou ainda pior, porém, um pouco mais forte.

Com a ajuda de Karol, Nelly ficou de pé, selando os lábios com força, com as duas mãos fechadas em punho.
E apesar de ainda tremer, buscava se convencer de que se aquilo não tivesse acontecido, só Deus sabia o que ele faria.