LIII

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Antonella se escorou no piano e passou os olhos pela paisagem opaca da Inglaterra. Ela não havia dormido praticamente nada, tampouco conseguiu aquietar a mente que ainda alardeava as descobertas do dia anterior.
Parecia que o inferno havia sido aberto bem embaixo de seus pés e logo após a sugou para dentro.

A monarca não queria acreditar que existia uma bastarda entre eles, que Bruno pretendia mesmo confiar na versão da menina e, pior ainda, que seria obrigada a conviver com a sombra da Lily mais do que antes.

Antonella não era capaz de olhar na cara de nenhum criado. Ela podia ouvir dentro de sua própria cabeça os comentários das pessoas. Loucura ou não, a ex-rainha podia imaginar perfeitamente o falatório, os cochichos e mentiras, além de risos que disparariam em sua direção.

Todos já deviam estar sabendo. O escândalo foi enorme.

A monarquia estava arruinada.

De todo modo, a esposa de Bruno sabia que o marido seria facilmente perdoado, afinal os homens nunca são punidos por seus pecados e traições, já as mulheres... O povo não a olharia nos olhos.
Seria uma vergonha inominável. Inominável e eterna.

─ Ó minha amiga! Eu vim assim que fiquei sabendo. Que barbaridade! ─ Penélope adentrou a sala de visitas exclamando tais palavras, sacudindo as mãos enluvadas e as penas do chapéu preto que usava. Suas bochechas coradas pela correria lhe conferiam um ar ainda mais atabalhoado. ─ Nem imagino como possa estar! Venha, dê-me um abraço.

Quando ouviu a voz da amiga, antes mesmo da sugestão do abraço, Antonella já havia se virado para vê-la, muito embora fosse a última coisa que quisesse fazer, pois se lembrava muito bem da traição dupla que sofrera.

─ Penélope, o que faz aqui?

O tom severo da ex-rainha assustou a viúva, fazendo-a abaixar os braços gordos.

─ Ah. Pois então... ─ Engoliu em seco. ─ É... Eu só queria saber como você está. As coisas que disseram na cidade. Ó! Eu nem posso acreditar que a menina é mesmo filha do Bruno. Uma bastarda! E dentro da sua casa! Como ele pôde? Que disparate para com você, minha amada amiga!

─ Amada amiga... ─ Antonella repetiu lentamente como se degustasse o gosto amargo daquelas palavras. ─ Diga-me, Penélope, há quantos anos nós somos amigas? Há quantos anos suporto você?

A segunda pergunta levou o sorriso de Mrs. Coimbra embora imediatamente.

─ Eu não entendi, Antonella.

─ Você entendeu. Eu sei que entendeu.

─ Eu realmente não compreendo esse tom que está usando comigo. Esqueceu-se de que pode se abrir com a minha pessoa? Sempre estive disposta a ajudá-la.

Um sorriso desdenhoso surgiu nos lábios de Antonella e a viúva acompanhou, sem perceber o detalhe do desdém.

─ E vejo que me ajudou de muitas maneiras.

─ Ah, você sabe querida, eu sempre fui uma mulher que me dispus a auxiliar a todos. Faço de coração.

Deixando o piano para trás, a monarca caminhou com as mãos entrelaçadas na frente do corpo, com uma postura impecável, uma feição desprovida de emoção, apesar das grandes olheiras que desenhavam círculos escuros embaixo de seus olhos esverdeados; fora isso, Penélope mal conseguia reconhecer a frieza da amiga.

Nunca vira Antonella daquele modo.

─ Você indagou sobre o tom de voz que estou usando...

─ Sim, Antonella querida. Aconteceu mais alguma coisa da qual não sei? Vamos, abra-se comigo.

A Face do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora