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— Providenciou um novo aparelho, Andréa? – Ela questiona praticamente sem movimentar os lábios e olhando para algo obviamente mais interessante que eu.

  Se existe alguém mais inexpressiva que ela, eu desconheço, e definitivamente, não é alguém que desperte curiosidade em conhecer. Essa característica para mim, só combina nela.

Lembro-me o caos da primeira semana trabalhando com Miranda, a qual inúmeras vezes eu abeirei a questionar mentalmente se ela era realmente uma humana. Não achava possível uma pessoa ser tão pouco expressiva como ela: Fria, esnobe, calculista e perversa. Até que um dia, resolvi olhar para ela diferente do que a manada costuma olhar. — Não é possível alguém ser assim. – Eu matutava ao invés de trabalhar. E então eu fui percebendo que Miranda não era assim, mas ela se fez assim.

Não digo que ela criou uma armadura. Não! Isso é clichê demais para denominar pessoas que preferem ser literais e não reacionais. Por que é difícil aceitar que alguém seja assim, sem ter sentimentos guardados por medo de expor? Talvez a pessoa não tenha o lado emocional como algo relativamente importante para seguir e ponto.
E quanto mais o tempo passa e eu seguia lhe estudando, como se fosse um rato de laboratório. Conheci detalhes, atitudes que praticamente ninguém ali na Runway conseguiria ver. Os olhos muitas vezes cansados, distantes, um vazio de algo que talvez nem ela consiga traduzir do que seria, ou estava cansada de tudo. Sua respiração mais demorada que o normal quando tinha algo lhe preocupando. Quando seus ombros estão levemente mais inclinados para frente, como se ela estivesse carregando o mundo da moda todo nas costas, e muitas são ás vezes que está mesmo carregando.
Um deslize, um erro, pode acarretar em muitas percas, não só na sua vida profissional, mas também deixando uma mancha na moda que nem as melhores misturas possam tirar.

Muitas são às vezes que ela sequer pediu almoço, não por não sentir fome, mas simplesmente por ir protelando e ignorando seu estômago e acabava sempre pulando uma refeição, até que eu comecei a levar seu almoço sem ela sequer pedir, e ela comer, e foi ali nesses momentos, que eu percebi que Miranda não é um robô. É só uma mulher com um império a tomar conta, sem poder errar, pois o fato dela ser mulher e tá no comando, exige ainda mais perfeição dela, e consequentemente, essa perfeição é exigida dos funcionários também.

E hoje, sabendo ler, e olhando o mundo da Miranda sem pré-julgamento, consigo ver Miranda por algumas vertentes a Miranda, mãe, doce atenciosa, e arrisco dizer que coruja e melosa com as filhas, a Miranda esposa, essa não é um exemplo, pelo pouco que percebo; Miranda não esforça tanto pelo casamento, fazendo muitas vezes Sthefen expor para nós assistentes como é o clima do casamento dele.  E cá para mim, Miranda é muito areia para o caminhãozinho dele. Sempre tive a sensação de que ele não dá conta. E também tenho a sensação de que Miranda é como um gato arisco, porém, na cama...  — Estou tentando não esticar meus   pensamentos para isso.

Olhando bem, Miranda não é uma esfinge, uma incógnita difícil de ler. O que muitos dizem ser armadura; predigo que é condicionamento. Ela se moldou para sobreviver e para vencer. Como ela seria ela na versão mais doce e passiva, conseguiria o que consegue deixando qualquer pessoa entrar, e agindo de maneira permissiva? Miranda é líder nata, sabe quem é, e para onde seguir. O objetivo de Miranda sempre fora, medrar, ela consegue isso, e aqueles que não compreendem, e querem as mesmas coisas, porém, não quer se preparar para isso, acaba criticando, julgando, não entendendo, ou simplesmente fugindo — Fugir, algo que eu fiz tão recente que até consigo sentir o cheiro de vingança vindo dela. — Se eu fosse resumir Miranda em uma fala, seria: “Eu não tenho um minuto de paz”.

— Seja lá em qual orbita sideral você estar, volte, ou perderá seu emprego, Andréa.

— O quê? – Sai sem muito pensar.

Realmente estava todo esse tempo divagando sobre a mulher que está na minha frente, deixando-a por esperar uma resposta?
Só posso está brincando de roleta russa, não existe outra explicação.

— WOW, Miranda, é, sim, claro, é, sim, providenciei um novo celular para mim. – Respondo como a paspalha que sempre sou, porém, agora com vestimentas melhores.

Miranda já parece não ouvir, ou sequer deu importância para o que eu disse. Também não é para menos.

  E então ela começa a andar a passos apressados, seus saltos são tão altos — Uau, Miranda tem as panturrilhas perfeitas — não sei como ela não se acha vulnerável com a nuca exposta por causa do corte de cabelo que por sinal, é lindo e deixa incrivelmente sexy. — Eu não falei isso.
Chacoalho minha cabeça tentando voltar para o agora, assim que a vejo entrando no elevador e percebo que quase faço o mesmo.

Consigo me ver com olhos perdidos, tentado não ficar tão constrangida por sabe que daqui alguns segundos o elevador se fechará na minha cara, mas então ela sem falar uma sequer palavra, inclina o pescoço para frente pende a cabeça para o lado e faz um movimento para traz, ordenando de maneira enfadada para que eu entre. Obedeço, entro e me posto ao seu lado, nossos ombros resvalando por causa do pouco espaço que existe naquela caixa metálica.

—... E é por isso que você não gosta de pessoas subindo nos elevadores com você. – Sussurro deixando sair um riso tenso da minha boca.

Eu sei que não devo falar com Miranda a menos que fosse diretamente dirigida, mas o constrangimento de tá em total silêncio com ela, dentro de um lugar tão estreito, apertado, me fez falar. — Maldita seja a dificuldade que eu tenho de permanecer calada.

E enquanto estamos a caminho do aeroporto de volta para New York, me questiono se todo dinheiro, todo o sucesso a deixe verdadeiramente feliz. Eu não consigo sentir felicidade dela, não consigo a ver feliz, é isso que ela sempre quis?
Por que eu ia abandona-la?

— Nossa, o céu tá tão escuro. – Deixo escapar dos meus lábios enquanto analiso as nuvens escuras e carregadas. — Deve ser porque vai chover. – Sigo falando sozinha, testando a paciência de Miranda, certamente.

Sim, começo a ficar tensa, nervosa, e com medo, muito medo, avião não é meu meio de locomoção favorito, principalmente quando o tempo não está lá dos melhores. Eu tenho medo de turbulência.  E a probabilidade do avião cair com poucas pessoas, é maior, do quê com um grupo maior, e nesse jatinho, só vão cinco pessoas; eu, Miranda, o piloto, copiloto e uma aeromoça, então automaticamente a chance de cair por causa do tempo, é grande. E falo com propriedade cientifica, vulgo, paranoias.

Louca para AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora