Capítulo 1 - Uma Reunião

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Lá estava de novo, aquele terrível choro de bebê. A mulher ruiva que segurava o bebê em seus braços fazia o possível para apaziguá-lo enquanto tentava manter o homem encapuzado longe do quarto de paredes verde-claras. E o jovem rapaz a seu lado não podia fazer nada a não ser observar a cena enquanto o homem encapuzado explodia a porta. A ruiva ainda tentou pedir clemência por seu filho, mas foi em vão. O homem a sua frente não conhecia esse sentimento. Em seu coração havia apenas o ódio e a vontade de destruir tudo.

Harry sabia de cor o que vinha a seguir, e assistir àquela cena horrível vezes sem conta em seus pesadelos partia seu coração. Ele fechou os olhos um segundo antes de Voldemort lançar Avada Kedrava, o feitiço da morte, na direção de Lílian Potter. O corpo desfalecido de Lílian foi ao chão, e o bebê Harry foi deixado sozinho para lidar com o que seria o começo de uma vida amaldiçoada.

Lágrimas escorreram pelas bochechas de Harry, e ele acordou suado e ofegante. De novo. Ele já deveria ter se acostumado aos pesadelos, mas não importava quantas vezes ele os tivesse nunca se acostumaria a ver o corpo sem vida de sua mãe. Não havia nada que pudesse fazer para que aqueles sonhos ruins parassem de assombrá-lo.

Ele jogou o cobertor longe e se levantou trêmulo. Havia algo que conseguia entorpecê-lo por um curto – mas suficiente – espaço de tempo. Na verdade, havia duas coisas, mas Hermione estava observando-o de perto, e ir à Travessa do Tranco para obter a Poção do Estupor não era mais tão fácil. No entanto, a primeira das opções era fácil de conseguir em qualquer supermercado. Hermione chamava aquilo de veneno. Harry o chamava apenas de uísque. Era o nome da maldita bebida afinal.

Preguiçosamente, ele caminhou até a sala de estar chutando as roupas sujas no caminho. Parou por um momento e olhou a sua volta com uma carranca. Perguntou-se a última vez em que o elfo doméstico havia feito faxina ali. A casa estava uma bagunça até para os seus padrões. Ele fez uma careta quando um cheiro desagradável penetrou suas narinas.

- Tilly? – gritou, a voz soando esquisita. Ele limpou sua garganta dolorida, mas aquilo apenas fez com que a dor ficasse pior. – Tilly? – tentou de novo, mas a elfo doméstica não apareceu. Fez uma carranca de novo. Depois enterrou os dedos nos cabelos, frustrado, e então se lembrou. Havia expulsado a elfo de casa. Só não se lembrava de quando.

Não importava. A maldita criatura não fizera nada além de importuná-lo sobre qualquer coisinha que ele fizesse ou não fizesse. 'Harry está bebendo muito' era sua frase favorita. E Tilly adorava dedurá-lo. No momento em que Hermione entrava em sua casa, lá estava Tilly contando a ela quantas vezes Harry entornara uma bebida. Por isso Harry despedira Tilly. Ele não conseguia mais suportar que ninguém – pessoa ou criatura – lhe dissesse o que fazer e o que não fazer com sua própria vida.

Ele deu de ombros. Tilly se fora. Não faria um drama por isso. Sua casa estava um pouco caótica. E daí? Ele não dava a mínima. Afinal de contas, ele sempre podia contratar outra pessoa para limpá-la. Alguém que não fizesse muitas perguntas. Ele apenas precisava achar essa pessoa ou criatura em algum lugar. Por um momento perverso, sentiu falta dos velhos tempos em que os elfos domésticos eram criaturinhas dóceis prontas a satisfazer os desejos de seus mestres sem dizer uma palavra. Então ele sacudiu a cabeça e quase se estapeou. Ele estava sendo cruel e injusto. Os elfos domésticos mereciam toda a liberdade que haviam obtido depois da derrota de Voldemort. Eles mereciam aquilo e mais. Não era culpa de Tilly se Harry estava se afogando em autopiedade e rancor.

Mas ele não queria filosofar demais naquela manhã. Na verdade, ele não queria nem pensar. Pegou a garrafa de uísque do bar e tomou um gole. O líquido lhe aqueceu todo. Ele bebeu metade da garrafa antes de voltar para a cama com os olhos fechados e a cabeça rodando. Sorriu fracamente enquanto a escuridão o abraçava. Talvez dessa vez ele dormisse sem sonhar com nada. Talvez dessa vez – como geralmente acontecia quando ele bebia até perder a consciência – ele deixasse de ver o corpo sem vida de sua mãe pela milésima vez.

Bem me quer, Mal me querOnde histórias criam vida. Descubra agora