18-Ladra

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Deixei o dinheiro que retirei do banco no domingo em cima da mesa, separado para devidas contas cada amontoado.

Escrevi um bilhete dizendo que provavelmente ficarei até mais tarde na casa dos Avelar hoje por conta do Maldito pedido, Victor faz questão que eu esteja... indiretamente me torturando.

Adentro o portão retocando o lápis de olho minha linha d'água e ajeito a barra da saia preta de couro falso que está um pouco acima dos joelhos - fecho o zíper da camisa de elastano marrom terra e respiro fundo guardando o lápis dentro da bolsa.

Estremeci ao pisar dentro da casa silenciosa e bem iluminada.

O buquê de flores já preparado para ocasião tão aguardada por ele, Carlota estranhamente não parece estar animada e nem satisfeita.

- Leila, que bom que chegou. - A mulher de conjunto vinho sorri ao me ver e estende os braços docemente.

Abraço a dona das calças pantalonas sofisticadas e em seguida cumprimento Victor com um beijo na bochecha que o surpreendeu, mas não tanto.

Preciso inventar uma desculpa e escapar daqui.

- Vou ao banheiro, já volto. - Aviso escondendo a real pretensão e os dois murmuram concordando, na ponta dos pés vou distanciado até vê-los virar apenas sombras, adentro o cômodo onde Victor dorme e encosto a porta cuidadosamente, por sorte nenhum ranger surge.

Detesto ter que agir assim, porém se não fizer, não vai dar para reunir coragem suficiente e confessar o que sinto.

O plano é: adiar o pedido sumindo com o maldito anel.

Começo a revirar tudo e não encontro a desgraçada caixinha, puta que pariu! Aparece porcaria!

Debaixo dos cobertores, da colcha e dentro das gavetas, atrás do espelho... nada.

Merda, ai que droga! Tonta, ele levou a caixinha e nela o anel, com ele.

Óbvio né Leila!

Isto é um sinal do universo para aquietar o rabo e não impedir o que deve acontecer.

Irei magoar ele se não deixar que o pedido se concretize, basta uma pergunta e tudo acaba... ele é dela.

Aceita.

Segue em frente.

Simples assim...

- Te disse que era uma péssima ideia! - Ouço uma voz ecoar solitária nos corredores e rapidamente me escondo debaixo da cama feito uma ratazana, arrastando a ossada para não ser pega no flagra tentando sabotar o grande momento.

- Ele não desconfia, mas não é burro, logo vai perceber! - O cochicho suspeito parece vir de uma voz familiar...

- Você prometeu! Não desliga na minha cara! - Quase deixa o cochicho trêmulo e gago e raivoso virar um grito que certamente não quer que escutem.

Conheço esta voz...

Passos que antes ameaçavam entrar no quarto, agora distância até sumir e me deixar a salvo novamente.

Saio debaixo da cama com dificuldade e até enrosco a manga da camisa no pé do móvel, rosno cheia de fúria tentando desvencilhar o tecido sem rasgar.

Finalmente consigo e respiro aliviada, estou suada pelo esforço.

Pego uma foto que aparenta me chamar em cima da cômoda do Victor, é ele quando ainda enxergava, não tenho tanta certeza, porém chuto. O simples papel parece pedir que eu o tirei do quadrinho que o comporta.

Guardo a fotografia no bolso da saia e sinto meu coração aquecido em ver que um dia ele foi feliz e doce e amoroso.

Estou demorando demais, melhor voltar.

Massageio o dorso das mãos e saio pisando duro rumo a sala, logo a azeda da Júlia vai chegar e eu serei a escudeira que tem que ver a cena irritante e desnecessária.

Feito cão de guarda, ou melhor dizendo: pinscher.

Me posiciono ao lado da Carlota, observando a garrafa de champanhe e a taça em cima da estreita mesa redonda próxima ao sofá, de certo para bajular Júlia e está cena ridícula.

A porta abre emitindo rangido e dando leve susto em nós três.

Espera...

Tenho uma teoria esquisita sobre o fato do Marcos acabar de entrar ajeitando a incomum gravata preta que veste... será que andou se aventurando naquele carro? O carro dele... sim! Claro, sabia que já havia visto aquele veículo antes em algum lugar.

O vi da janela do quarto de Carlota quando ela me apresentou o cômodo, mesmo que no dia ele nem fizesse ideia de quem eu era e vice versa. Marcos aparenta nervosismo e insegurança, por pouco não tropeçou nos próprios pés, como um animal assustado.

Nunca o vi assim antes, deveras suspeito.

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Enrolo um centímetro da minha trança roxa nos dedos e finalmente a protagonista do show chega.

O tempo que estou aqui esperando fez minhas pernas começarem a doer e a barriga gritar de fome - poderia ter furtado a caixinha agora presente na palma fechada de Victor e ter arremessado em algum lugar ou ter quebrado e sumido com a porcaria do anel.

- Amor, por que está tão arrumado? - A barbie estranha o terno inutilizado e que juntava poeira no guarda-roupas dele.

Marcos coça a garganta desconfortável, não parece pertencer a este ambiente.

- Júlia, quero te mostrar uma coisa. - Victor abre um sorriso inocente e romântico, tirando a caixinha do bolso interno do paletó, Carlota permanece inexpressiva ao lado do filho e eu viro o rosto não suportando ver o que virá a seguir.

Júlia franzi as sobrancelhas de jeito curioso e em seguida Victor ajoelha diante dela.

Que desgosto, que decepção... não é culpa dele mesmo, somos apenas amigos.

- Amor, vai... - A loira prende as palavras observando ele abrir a caixinha aveludada cor vinho e estender a altura dela.

Dentro de mim algo ruge, a garganta fica seca e as córneas ardem.

Ela não perece tão impressionada, tampouco suspirante por tal ato, como se já esperasse... no mínimo estranho, ou apenas paranoia ciumenta minha.

- Casa comigo? - Recebo isto como uma lâmina rasgando meu interior, finjo ser apenas alucinação.

Marcos continua calado e inquieto balançado o pé sob o piso claro.

Aham tá, anda logo loira metida, não aguento mais toda essa ladainha aff.

Insuportável o peso que é isto.

Amar é se conformar não é, não ter egoísmo em base... entretanto, não vou mentir dizendo que estou feliz o vendo enfiar a língua na boca dela agora, não mesmo.

Engulo a saliva negando conter a expressão ruim que certamente tenho agora.

𝘾𝙤𝙢𝙤 𝙚𝙪 𝙩𝙚 𝙫𝙚𝙟𝙤 [Finalizada] Onde histórias criam vida. Descubra agora