Tomando posse do microfone que está próximo à escada, chamo a atenção dos convidados, dando duas batidinhas sob o tecido esponjoso.
Meus pais finalmente aparecem e estranham a atitude.
Isabel cambaleia um pouco até se juntar a eles, encheu a cara, menina travessa.
— Boa noite, peço atenção de todos vocês. — Comunico percorrendo o olhar em cada rosto presente aqui.
Júlia permanece quieta perto da coluna grossa e Marcos quase escondido próximo a porta — ah, mas ele não vai fugir de mim, os dois não irão escapar não.
A conta chegou.
Victor aparece tomando muito cuidado em cada passo que dá, porque mesmo eu tendo o ajudado a treinar cada passo é decorar os centímetros da casa, ainda não tem 100% de firmeza.
A mulher do cabelo pixie loiro e vestido tomara que caia cinza névoa em conjunto com o chale de seda igual e as luvas também condizentes, se posiciona a frente do círculo que concentrou diante de mim.
Não sinto barreiras, não sinto piedade, tampouco empatia — apenas fúria, revolta e maldade, egoísmo talvez.
— Queria dizer umas palavrinhas que o aniversariante escreveu, a respeito da Júlia. — Agora estou lembrando... está muito claro... O carro, a mensagem, Marcos arrumando a gravata naquele dia.
Como fui tão boba em não perceber.
Dirijo o foco visual a loira entediada e ao meu lado, Victor se posiciona alegre, satisfeito por minha gentileza pró-ativa.
Desdobro o papel.
— Júlia, escrevi estas palavras para te mostrar o quanto te amo, o quanto você é importante para mim, cada segundo que passei do seu lado é uma dádiva, nunca conheci alguém como você, é carinhosa, paciente, independente, compreensiva, batalhadora, inteligente e... — Dou uma curta pausa para respirar e mordo a língua de propósito.
Uma vadia fetichista.
Júlia observa ansiosa e grata por tanta admiração, desperdício de amor.
Vejo o quanto Victor está feliz do meu lado, o brilho vital em seus olhos, a ingenuidade do coração dele... não farei isto agora, apenas por ele.
— Uma mulher incrível. — Digo sem nenhuma emoção e jogo o papel por cima do ombro, quero cuspir onde ela pisa, ordinária.
Todos aplaudem o foco do show agora.
Ouço Victor agradecer e de repente sumir, simplesmente evaporou.
— O que deu em você? — Ouço Isabel quebrar a tranquilidade letal da minha mente prisioneira.
Cada sílaba vira borrão em minha mente, cada passo me faz sentir uma viajante de mundo paralelo, não me sinto eu mesma — nada faz sentido, apenas sou um amontoado de ossos vagando.
Ignoro Isabel que berra meu nome diversas vezes de forma escandalosa e vou para o banheiro, solto um grito liberando toda esta maldição entalada e espalmo a pia furiosa.
Arranco os sapatos insuportáveis do pé e os atiro sob o piso, a maquiagem já está borrada por causa do choro, meu peito dói como nunca senti antes. Flechas invisíveis espetam diversas vezes o estômago.
Nem sinal de alguém que possa vir e né tirar deste pesadelo real a qual eu mesma me meti, a cilada foi culpa deles, porém eu escutei e vi tudo.
Basta, vou enfrentar a linha tênue que construí após omitir a verdade nojenta por trás dos dois crápulas.
Pego meus sapatos e sigo descalço mesmo pelo chão frio, até cruzar com um garçom.
— Me dá isso aqui, vou precisar. — Digo fervendo em ódio ao pegar uma taça de champanhe e virar a bebida fraca que desce borbulhante por minha garganta, a velocidade dos meus passos chega a fazer barulho sob o piso.
Acabo perdendo o controle e começo a chorar de novo, desta vez não irei conseguir para tão cedo.
— Leila? Aonde vai. — Ouço a voz grotesca do falso santinho que entra em meu caminho.
Com o ódio nocivo que estou, sou capaz de acertá-lo com a merda do sapato agora mesmo, foda-se a educação.
— Aonde eu vou? Engraçado perguntar isto...Acho que está na hora do seu irmão saber quem você e aquela vadia mimada oportunista são na realidade, me dá nojo. — Falo de forma ríspida fixando o olhar embaçado por lágrimas nele.
Victor fica mais pálido e espantado.
— Sai da minha frente agora. — Ordeno fechando o punho e soltando os sapatos.
Marcos me impede de passar, segurando meu braço com brutalidade num puxão, desequilibro para trás sentindo o estômago revirar.
— Está ficando louca? Você não vai a lugar nenhuma sua linguaruda intrometida! — Vocifera em minha face e o hálito de whisky morno piora o enjoo.
Dirijo o olhar para os dedos dele envolvendo minha pele.
— Tire a pata imunda de mim neste exato momento, se não quiser sentir o peso da minha mão nos seus dentes. — Ameaço disposta a agredi-lo se ousar tocar em mim outra vez, babaca. Pelo visto é hereditária a sujeira de um Cavalieri né.
Marcos me fuzila com os olhos verdes, mas solta meu braço violentamente, aproveito e atiro o sapato na testa dele num movimento tão rápido que mal sei como consegui fazê-lo e não cair no chão.
Sigo para o jardim, a procura da vítima desta maldita traição.
Tão sufocada que a espinha gela por inteiro e quase não enxergo um palmo a minha frente por ter a visão comprometida por lágrimas quentes invasoras.
Esmago um pedaço de vidro que feriu minha perna ao adentrar o jardim, o embrulho estomacal não passou — luto contra a vontade de sair correndo e me esconder debaixo das cobertas, deprimida.
Porém sou Leila Tavares, irei ser o que a vida exige que eu seja.
Está frio, mas estou tão quente que quase arrisco dizer: febre.
O cansaço chega e eu finalmente paro de correr debaixo do azul imenso noturno.
— Aí está você, te achei. — Balbucio ofegante e ainda chorando, vendo ele deitado sob o bando de madeira — agora vestindo uma blusa vermelha fina sem botões ou zíper, os cabelos escuros de urso espalhados pela madeira — está calmo, sendo iluminado graciosamente por raios lunares... perfeito... para receber a revelação deplorável que vem a seguir feito bomba.
A dúvida é: será que cada segundo que passamos juntos, cada minuto que dediquei, cada gesto e toque, será suficiente para que ele acredite em mim?
Busco forças para me recompor e dizer finalmente.
— Estou sempre aqui para você. — Diz ele em tom alto suficiente para que eu escute, ainda sem se movimentar.
Soluço diversas vezes até engolir o choro.
— Por que está chorando? Foi o Marcos que... — Antes de completar a própria frase sugestiva, Victor levanta e cogita disparar para dentro da casa.
— Espera! — Impeço ele antes que siga em frente furioso, colidindo com seu corpo.
— Tenho que te contar uma coisa, venha comigo. — Expresso firme, apesar da mão tremer muito.
Estou respirando com tanta dificuldade que chega a doer a falta de ar.
Não espero a reação fácil dele e apenas o conduzo a passos velozes para o corredor onde fica o quarto de hóspedes.
Meus calcanhares latejam de dor, a cabeça girando feito uma montanha-russa descontrolada e a boca seca — córneas ardendo, fumaça tóxica atingindo a garganta.
Três passos: Gasolina. Fogo. Explosão.
É hora de lançar cabeças na fogueira.
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𝘾𝙤𝙢𝙤 𝙚𝙪 𝙩𝙚 𝙫𝙚𝙟𝙤 [Finalizada]
RomantizmLeila, ou Le como costumam chamar, é uma mulher que tem que lutar contra problemas diários assim como todo brasileiro, porém entre tantas questões da sua vida, a maior é: o desemprego. Por mais que seja necessário, estudo não garante emprego após se...