Na manhã depois que vi a aparição eu estava aterrorizada, e não podia suportar ser deixada sozinha nem por um momento, embora fosse de dia.
Lembro-me de meu pai vindo e ficando ao lado da cama, conversando alegremente, fazendo várias perguntas à aia, e rindo alegremente de uma das respostas; me dando tapinhas no ombro, me beijando, e dizendo para que eu não tivesse medo, que aquilo não fora nada mais do que um sonho e que não poderia me ferir.
Mas não me senti confortada, pois sabia que a visita da mulher estranha não fora um sonho; e eu estava com muito medo.
Fiquei um pouco consolada pela criada me assegurando que fora ela que havia entrado e se deitado comigo na cama, e que eu devia ainda estar meio adormecida para não reconhecê-la. Mas aquilo, apesar de confirmado pela criada, não me satisfez totalmente.
Lembrei-me, durante aquele dia, de um venerável ancião, de batina negra, vindo até o quarto com a criada e a governanta, conversando um pouco com elas, e falando gentilmente comigo. Seu rosto era muito doce e gentil, e ele me disse que eles iriam rezar, me fez juntar as mãos, e queria que eu dissesse, gentilmente, enquanto eles rezavam, “Senhor, ouça todas as boas preces por nós, pelo amor de Jesus". Acho que essas eram as palavras exatas, pois eu as repeti muitas vezes para mim mesma, e minha aia costumava me fazer repeti-las em minhas orações.
Lembro-me muito bem do doce e pensativo rosto daquele ancião de cabelos brancos, com sua batina negra, de pé naquele quarto rude, espaçoso e marrom, rodeado pela desajeitada mobília de trezentos anos, e da luz fraca que penetrava naquela atmosfera sombria pela pequena grade. Ele se ajoelhou, acompanhado pelas três mulheres, e rezou em voz alta e trêmula pelo que me pareceu ser um longo tempo. Não me lembro de nada da minha vida antes daquele evento, e parte do que aconteceu depois também é obscuro, mas as cenas que acabei de descrever são tão vívidas quanto as imagens isoladas projetadas pelas lanternas mágicas na escuridão.
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Carmilla - A Vampira de KARNSTEIN
VampirePrimeira tradução integral e anotada de uma das mais célebres histórias de vampiro da língua inglesa. Publicada em 1872 e primeira a ser protagonizada por uma vampira, apresenta uma densa atmosfera gótica e um erotismo subjacente que marcaram época...